Revista ISTOÉ -
17/12/2011
Projeto aprovado na Câmara eleva o número de diplomatas e oficiais
de chancelaria em 65%. Gastos com os servidores da corte serão aumentados em
mais de R$ 600 milhões
Proposta para aumentar o número de servidores do
Itamaraty foi uma iniciativa do ex-chanceler Celso Amorim
Cauteloso e tradicionalmente avesso à exposição, o
Ministério de Relações Exteriores deixou a moderação de lado para engordar, e
muito, seus quadros. Graças a um projeto de lei articulado no apagar das luzes
do governo Lula, o número de funcionários do Itamaraty deve aumentar em 65%.
Serão contratados 400 novos diplomatas, para reforçar o trabalho dos 1.397
existentes, e outros 1.065 oficiais de chancelaria vão se somar aos 849 atuais.
E as novas contratações não ocorrerão para substituir servidores aposentados. A
ideia é criar novas missões diplomáticas no Exterior e preenchê-las com
funcionários pagos pelo Erário brasileiro. O projeto de lei já foi aprovado
pela Câmara e acaba de ser encaminhado ao Senado, onde seguirá seu trâmite sem
maiores tropeços. “O provimento dos cargos ocorrerá de forma gradual, mediante
autorização do Ministério do Planejamento. O Brasil necessita de um corpo
diplomático à altura dos interesses brasileiros no mundo”, diz o deputado Félix
Mendonça Júnior (PDT-BA), relator do projeto na Comissão de Constituição e
Justiça da Câmara, que ratificou o texto em caráter terminativo.
O projeto nasceu pelas mãos dos ex- ministros das Relações
Exteriores, Celso Amorim, e do Planejamento Paulo Bernardo. O ex-chanceler
Amorim nunca escondeu que queria deixar como seu legado à frente da política
externa brasileira a expansão das relações diplomáticas pela cooperação Sul-Sul
e novas missões no continente africano para substituir o máximo possível a
influência dos Estados Unidos. Na exposição de motivos para turbinar o
Itamaraty, Amorim alega: “Acentuou-se nos últimos anos a participação do Brasil
nos principais temas da agenda internacional. E o MRE tem se empenhado na
articulação de alianças estratégicas com os grandes Estados de periferia.”
Essas metas, segundo ele, acabaram exigindo a abertura de 64 novas embaixadas
entre 2003 e 2010, totalizando 223 representações brasileiras no Exterior. O
atual chanceler Antônio Patriota não pretende romper com os passos traçados
pelo antecessor, embora a política externa atual seja mais pragmática e menos
ideológica.
É bem possível entender o rol de motivos elencados pela
dupla Amorim e Bernardo. Mas pairam dúvidas sobre a prioridade ao aumento dos
quadros do Itamaraty. É verdade que o Brasil intensificou sua participação nos
foros regionais e internacionais e passou a ser protagonista da agenda global.
Mas, desde o início do ano, quando o governo Dilma anunciou um corte de R$ 50
bilhões no orçamento para enfrentar a crise econômica, a ministra do
Planejamento, Miriam Belchior, avisou que não haveria nenhum concurso público
em 2011. E apenas a revisão de novas admissões. Garantiu, ainda, que os
reajustes salariais estavam descartados. “Não temos como negociar reajuste que
não foram acordados anteriormente”, advertiu. Essa declaração criou centenas de
reações contra o governo. Em julho, funcionários do próprio Itamaraty deram
início a uma “Operação Tartaruga” por maiores salários. O corte de recursos
atingiu até aprovados em primeiro lugar em concursos públicos em 2010, que
tiveram o edital prorrogado em 2011. Correm o risco de não ser convocados
sequer em 2012. Todos os atos do governo dão a entender que o momento é de
apertar o cinto. Portanto, o projeto do Itamaraty vai na contramão do que pensa
a presidenta Dilma Rousseff em meio à necessidade de ajustes de contas públicas
para fazer face à crise internacional.
Economista e diretor da ONG Contas Abertas, Gil Castello
Branco lembra que a contratação de pessoal gera gastos que vão muito além do
salário. Há um efeito cascata nas despesas com mobiliário, telefone, limpeza e
vigilância, entre outros. No caso específico do Itamaraty, quando todos os
1.465 servidores estiverem na ativa, os gastos devem passar de R$ 600 milhões
por ano. “Indiscutivelmente, toda nova receita nos preocupa. Mas com o
Itamaraty é ainda pior, por se tratar de um órgão com pouquíssima
transparência, opaco”, diz Castello Branco. Ele explica ainda que as despesas
com embaixadas são centralizadas em Nova York e pouco se sabe sobre a
destinação posterior desses recursos, o que contraria a disposição do TCU. A
grande maioria das ordens bancárias e das notas de empenho passa longe do
Siafi, Sistema Integrado de Administração Financeira do governo federal. O TCU
tem dificuldades para detectar excesso de gastos ou supostas irregularidades. O
dinheiro é fiscalizado pelo próprio Itamaraty e não passa pelo crivo de órgãos
externos de controle, como a Controladoria-Geral da União (CGU). Técnicos da
CGU apenas integram a Secretaria de Controle Interno (Ciset) do Itamaraty.
Especialista em contas públicas, o respeitado economista Raul Veloso diz que o
argumento político é pequeno para justificar o expressivo aumento de despesa.
“Normalmente, nunca há um bom momento para elevar o gasto público,
principalmente numa crise cuja extensão ninguém conhece”, diz Veloso. Quem faz
uso da máquina pública, pelo visto, pensa exatamente o oposto e considera o
Erário uma fonte inesgotável de recursos.