Ana D’Angelo
Correio Braziliense -
16/04/2012
Apesar de estar no topo salarial do Executivo, o órgão não
consegue segurar os profissionais
Uma das carreiras mais cobiçadas e de melhor remuneração do
Executivo, a área jurídica do governo federal não consegue segurar seus
integrantes. Entre os 71 aprovados do disputado concurso para procurador da
República do Ministério Público Federal no mês passado, 30 são da
Advocacia-Geral da União (AGU). Levantamento de entidades sindicais, com base
em dados do órgão, apontam que 60 dos membros — procuradores federais,
advogados da União e procuradores da Fazenda Nacional — se despedem todo ano da
casa em direção a outros postos no serviço público.
Há um outro número que não aparece nessas estatísticas. É
referente àqueles que passam na seleção para o órgão, mas não tomam posse.
Cerca de 20% dos aprovados desistem de assumir o cargo porque, até a posse, já passaram
em outro concurso mais vantajoso, segundo a Associação Nacional dos
Procuradores Federais (Anpaf). No decorrer dos dois anos seguintes, mais 20%
deles desistem de continuar. Isso significa que, entre aprovados e os
recém-nomeados, a desistência chega a 40% em dois anos.
Apesar do prestígio da carreira — no topo do Executivo
federal e o fato de ser o maior escritório de advocacia pública da América
Latina, com 8 mil integrantes —, os representantes sindicais apontam, como
motivos da evasão, a remuneração menor que a de membros do Ministério Público
Federal e de magistrados, além da falta de autonomia e de garantias para o
exercício da função. Os salários inicial e final da carreira é de R$ 15 mil e
R$ 19,5 mil, enquanto no MP e na magistratura os valores começam em R$ 25 mil e
R$ 22 mil, respectivamente.
Carência
"São profissionais com capacidade de passar em outros
concursos que remuneram mais, pois as atribuições jurídicas são
semelhantes", justifica o diretor-geral da União dos Advogados Públicos
Federais do Brasil (Unafe), Luis Carlos Palacios. A Secretaria de Administração
da AGU informou ao Correio que 157 cargos de procuradores federais e 62 de
advogados ficaram vagos em 2011. Nos primeiros três meses do ano, já foram
desocupados 49 postos das duas carreiras. Os números, segundo o órgão, englobam
a vacância por aposentadoria e posse em
outra carreira.
Palacios aponta ainda a carência de servidores das carreiras
de apoio. Faltam até contadores para fazer os cálculos das demandas, que
normalmente envolvem dezenas de milhões de reais. Sobre as críticas das
entidades sindicais acerca da grande evasão do órgão, a AGU respondeu que
"as associações de carreiras são livres e independentes para expressarem
sua opinião, bem como de apresentar críticas e sugestões".
Isonomia
O ex-corregedor-geral da AGU e procurador da Fazenda
Nacional Aldemário Araújo Castro afirma que a advocacia pública está , ao lado
da Defensoria Pública e do Ministério Público Federal, como função essencial à
Justiça e que, por isso, deveriam ser tratadas igualmente, como manda a
Constituição. O problema de diferenciação de condições de trabalho entre as
carreiras começou por ocasião da promulgação da Constituição de 1988, quando
foi criada a Advocacia-Geral da União. Até então, os membros do MPF desempenhavam
também as funções de advogados da União. Na ocasião, eles tiveram a opção por
uma das carreiras — de advogado público ou de procurador da República. A
intenção, segundo Castro, era garantir o tratamento paritário entre eles. Caso
contrário, afirma, não fazia sentido a opção por um cargo com condições
salariais inferiores.
O advogado da União Adriano Barros Fernandes é um dos 30 que
passaram no concurso de procurador da República encerrado em março deste ano.
Ele aponta a falta de autonomia e de investimento na carreira atual, além dos
salários mais baixos, como algumas das razões para mudar de casa. Para ele, a
estrutura de cargos mediante nomeações por DAS — Direção de Assessoramento
Superior — cria uma hierarquia entre os membros do órgão que não deveria
existir.
"Há advogados que são meros assessores. Outros estão
cedidos para tribunais e outros órgãos
estranhos à estrutura da AGU. Enquanto isso, ela fica
abarrotada de trabalho em face da grande evasão", afirma. Fernandes também
critica a influência política que o órgão sofre, por estar subordinado ao
Palácio do Planalto. "Deixa de ser advocacia do Estado para ser advocacia
do governo eleito. No MPF, é possível exercer com independência um trabalho que
atenda aos interesses da sociedade, seja qual for o governo", observa.
Vocação
Pesquisa feita pelo Ministério da Justiça no final de 2011
sobre a advocacia pública mostra que 37% dos membros pretendem prestar
concursos para outros cargos, em especial para a magistratura e para o
Ministério Público. Apenas 10% alegam não ter vocação para advocacia pública. A
grande maioria, 90% e 84%, aponta a falta de garantias e prerrogativas e de
estrutura adequada de trabalho como principal catalizador da evasão. O problema
salarial é importante para 70% deles.
O procurador da Fazenda Nacional Paulo Renato Nardelli, um
dos fundadores do site Advogados Públicos, que aborda as questões relativas à
carreira, lamenta que, passados 23 anos da promulgação da Constituição de 1988,
a vontade do constituinte originário ainda não foi implementada, que é a de
garantir a mesma remuneração e mesmas prerrogativas às carreiras que
desempenham funções essenciais à justiça. "Aqueles procuradores da
República que tinham a opção de migrar para o "novo órgão" (AGU) o fizeram
com a certeza de que a paridade remuneratória não seria violada", diz.