O Globo - 18/05/2012
Governo federal determina abertura de folhas de pagamento;
Legislativo e Judiciário debatem se vão aderir
No dia em que o Poder Executivo divulgou decreto que
regulamenta a Lei de Acesso à Informação e determina a publicação dos salários
de servidores, Legislativo e Judiciário ainda não decidiram o que fazer. Ontem,
os presidentes do Senado, José Sarney (PMDB-AP), da Câmara, Marco Maia (PT-RS),
e do Supremo Tribunal Federal (STF), Carlos Ayres Britto, anunciaram que vão
aguardar a execução da medida pelo governo, antes de anunciar se seguirão pelo
mesmo caminho. Mas o assunto é polêmico e pode levar a uma batalha nos
tribunais para manter os vencimentos sob sigilo.
O regulamento da lei para o governo federal, publicado em
edição extraordinária do Diário Oficial da União (DOU), determina que todos os
rendimentos de servidores da ativa, desde o salário-base até o conhecido jeton
pago a membros de conselhos de estatais, sejam publicados. A regra diz que
serão públicos os ganhos de "ocupantes de cargo, posto, graduação, função
e emprego público, incluindo auxílios, ajudas de custo, jetons e quaisquer
outras vantagens pecuniárias, como proventos de aposentadorias e pensões
daqueles que estiverem na ativa, de maneira individualizada".
Mas a publicação dos salários no Executivo só deve ocorrer,
no mínimo, a partir da semana que vem, quando o Ministério do Planejamento finalizar
o texto de orientação aos demais órgãos públicos sobre como o valor deve ser
divulgado. Os dados ainda serão extraídos do sistema que roda os salários para
publicação no Portal da Transparência. O Executivo tem 934 mil servidores da
ativa, dos quais 567 mil são civis. Nos três Poderes, o teto do funcionalismo é
de R$ 26.700, mas um grupo de servidores no Legislativo e no Judiciário recebe
salários maiores, amparados em decisões judiciais. No Executivo, existe um
mecanismo automático para travar os salários que furam o teto.
No Judiciário e no Legislativo, entretanto, a polêmica está
garantida e dirigentes dos dois Poderes já declararam que a publicação de
salário pode ferir a intimidade dos servidores. A própria assessoria de
imprensa do Superior Tribunal de Justiça (STJ) informou ao GLOBO na
quarta-feira que o tema suscitará debates dos tribunais e que a publicação de
salários pode até mesmo comprometer a segurança pessoal de funcionários
públicos. No Senado, a direção compreende que há amparo legal para a não
divulgação de salários, mas, oficialmente, a versão é que a Casa deve esperar a
aplicação da regra pelo Executivo para tomar sua própria decisão.
"O Senado Federal vai esperar pela publicação do ato do
Ministério do Planejamento para então convocar a Mesa Diretora e se pronunciar
definitivamente sobre o tema, à luz da legislação vigente".
O presidente da Câmara, deputado Marco Maia (PT-RS), é outro
que levanta a dúvida jurídica:
- É uma discussão extremamente técnica. É necessário olhar
todos os aspectos jurídicos. Uma coisa é divulgar os salários dos
comissionados, outra é (divulgar os) dos funcionários de carreira - disse Maia
à Agência Câmara.
O presidente do Supremo Tribunal Federal, Ayres Britto,
defendeu a publicidade dos salários dos servidores do Judiciário. Ele não
especificou se a divulgação das remunerações que ele defende atingiria também
ministros, desembargadores e juízes. Ayres Britto ressaltou que se trata de uma
posição pessoal e que o assunto será discutido com os demais ministros da
Corte.
O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, também
comentou a polêmica, e preferiu a cautela. Para Gurgel, apesar da letra da lei
ser explícita sobre a transparência ampla e irrestrita, a questão dos salários
não está pacificada.
- A vigência da lei é recentíssima e isso tem que ser,
enfim, devidamente analisado. Em princípio, o que a lei pretende é a
transparência mais ampla, irrestrita, mas no caso específico é preciso examinar
- afirmou Gurgel.
No entendimento do controlador-geral da União, Jorge Hage, a
publicação dos rendimentos é legítima e não afeta a intimidade dos servidores.
Ele explica que detalhes do contracheque, como dívidas com desconto em folha e
outros encargos, não serão divulgados. Portanto, os dados confidenciais
estariam preservados.
A publicação do salário entra no rol das chamadas ações de
transparência, em que cada órgão indica espontaneamente uma série de
informações, como despesas, licitações, contratos, convênios e perguntas
frequentes.
O professor de Direito Público da UnB Mamede Said diz que o
sigilo é a exceção. Ele lembra que deve prevalecer o princípio da publicidade,
salvo em situações que envolvam a segurança da sociedade e do Estado - o que
não é o caso do salário dos funcionários públicos. Para ele, seria importante
divulgar uma lista de cargos e vantagens, e outra com todos os funcionários e
seus cargos, funções ou benefícios para efeito de cruzamento.
- Não tem que exigir ato sigiloso, ato secreto. Isso é coisa
absolutamente excepcional - defendeu Said.