O Estado de S. Paulo
- 22/03/2014
Policiais federais são um grupo armado, parte do aparato de
segurança do Estado, razão pela qual não podem fazer greve – e, uma vez que
façam, devem ser punidos com o corte integral dos dias parados. Esse foi o
entendimento do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), ao
analisar reclamação da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef) ante
o corte do ponto de agentes que fizeram greve em janeiro passado. Tal decisão é
importante porque deixa claro que é muito estreita a margem dos policiais para
manifestar descontentamento com suas condições de trabalho. E assim deve ser,
pela simples razão de que a sociedade não pode permitir, ainda que haja bons
motivos, que agentes responsáveis pela manutenção da ordem pública cruzem os
braços – e, armados, possam constituir ameaça à sociedade que devem proteger.
A Fenapef ajuizou reclamação no STF depois que a 13.ª Vara
Federal do Distrito Federal considerou a greve ilegal e autorizou a União a
cortar o ponto dos manifestantes. No recurso, o sindicato alegou que os
policiais federais têm o direito constitucional à greve, usando como base uma
decisão do STF tomada em 2008 a respeito do direito de greve dos servidores
públicos. Na ocasião, o Supremo determinou que, até que o Congresso decida
enfim regulamentar esse direito, os servidores públicos poderão se mobilizar
segundo os parâmetros da lei referente aos trabalhadores da iniciativa privada
– desde que se respeite a óbvia necessidade de manutenção dos serviços,
principalmente em áreas essenciais.
Conforme o entendimento da Fenapef, os policiais federais
não apenas têm direito à greve, como fazem jus ao salário integral mesmo
durante a eventual paralisação. Justificouse dizendo que seguiu os prazos
legais, informando com antecedência às autoridades sobre a realização do
protesto, razão pela qual a punição, com o corte do ponto, seria um ato de
intimidação para obstruir o direito de greve da categoria.
A Justiça Federal, porém, esclareceu que a legislação de
greve dos trabalhadores da iniciativa privada, invocada pela Fenapef em sua
defesa, autoriza plenamente o desconto dos dias não trabalhados por motivo de
greve. "O direito à greve previsto na Constituição Federal não pressupõe
direito incontestável à percepção integral dos vencimentos", diz a
sentença.
Gilmar Mendes aceitou esse argumento, mantendo o corte do ponto,
pois considerou que o serviço da PF é essencial e, portanto, não poderia sofrer
nenhum tipo de paralisação, conforme entendimento do próprio STF em julgamentos
anteriores. Ademais, e este é um ponto importante, o ministro disse que
"policiais em geral, em razão de constituírem expressão da soberania
nacional, revelando-se braços armados da nação, garantidores da segurança dos
cidadãos, da paz e da tranquilidade públicas, devem ser equiparados aos
militares e, portanto, devem ser proibidos de fazer greve".
A Fenapef manifestou "indignação" com a decisão de
Gilmar, pois considera que há motivos de sobra para greves dos policiais. Há
tempos os agentes se queixam do corte de investimentos na PF, acentuados no
atual governo. Entre outros problemas, queixam-se da falta de pessoal para
apoio administrativo – o que obriga a PF a deslocar agentes para tarefas
burocráticas – e também de falta de dinheiro para manutenção de aeronaves que
atuam no combate ao narcotráfico. Tal quadro, parece claro, representa um risco
para áreas sensíveis da segurança nacional.
Ainda assim, nada disso autoriza que policiais interrompam
seu trabalho. Ante as derrotas judiciais, o sindicato dos policiais federais
diz que seu movimento de reivindicação "evoluiu" e que é uma
"tendência moderna" fazer atos públicos em vez de greves. Desse modo,
segundo sua visão, a sociedade não sofre e não há motivo para cortar o ponto
dos manifestantes. O problema, contudo, permanece o mesmo, pois o policial, ao
participar de uma passeata, ainda que seja apenas por algumas horas, está
deixando de cumprir suas tarefas, consideradas essenciais para o conjunto da
sociedade.