Bruno Peres e Cristiano Zaia
Valor Econômico
- 02/06/2014
Brasília - O governo está preocupado com a possibilidade de
avançar, no Congresso, a tramitação da proposta de emenda constitucional que
cria um adicional por tempo de serviço para toda a magistratura e membros do
Ministério Público da União e dos Estados (PEC 63/2013). O "sinal
amarelo" do Palácio do Planalto foi aceso com a descoberta de que, logo
após a aprovação da PEC 63 pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do
Senado, diferentes entidades representativas de carreiras de Estado já
encaminharam ofício a senadores cobrando "tratamento isonômico" às
respectivas propostas que também reivindicam adicional remuneratório por tempo
de serviço.
Ciente da pressão que o Judiciário consegue exercer sobre o
Legislativo, o Executivo quer envolver governos estaduais e candidatos a
governador em uma mobilização para frear a proposta no Congresso, sobretudo
pelo impacto maior nas contas dos Estados.
Segundo estimativas do governo, caso a proposta seja
aprovada, restringindo-se a juízes e procuradores, o custo será de R$ 1 bilhão
ao ano para União e R$ 2,5 bilhões para Estados. Ainda pelas contas do governo,
se o adicional se expandir para outros setores, a União teria que gastar de R$
7 bilhões a 10 bilhões ao ano. Para Estados seriam até R$ 14 bilhões. A
proposta, de autoria do senador Gim Argello (PTB-DF), também prevê que a
vantagem a ser criada não será incluída no cálculo do limite salarial do funcionalismo.
O governo tem atuado em frentes distintas com o objetivo de
impedir o avanço da proposta. Os ministros da Fazenda, Guido Mantega; do
Planejamento, Miriam Belchior; da Justiça, José Eduardo Cardozo; da
Advocacia-Geral da União, Luís Adams; e de Relações Institucionais, Ricardo
Berzoini, estão atuando nessa ação do governo. Se a medida for aprovada, juízes
e procuradores terão direito a 5% de aumento a cada cinco anos, até o limite de
35%. O benefício seria estendido aos aposentados e pensionistas. Na avaliação
do Palácio do Planalto, é uma "ilusão" achar que o pleito vai ficar
restrito ao Poder Judiciário e ao Ministério Público, e o impacto financeiro
variaria apenas em função da amplitude e da velocidade com que a proposta pode
se espalhar.
Na avaliação do Planalto, é uma "ilusão" achar que
o pleito vai ficar restrito ao Judiciário e ao MP
Uma reunião considerada difícil dos ministros Cardozo e
Berzoini com associações representativas da magistratura, às vésperas da
análise da proposta pela CCJ, deu o tom das resistências que o governo terá que
enfrentar para tentar ao menos propor alternativas à PEC 63 e jogar holofotes
sobre a discussão.
Com autoridades do Judiciário e Ministério Público o diálogo
ocorrerá de forma "discreta" e "reservada" para evitar a
impressão de um conflito entre Poderes. O governo defende que um debate entre
todas as partes interessadas inclua propostas como remuneração de atividades
administrativas desempenhadas por juízes e até o reajuste do teto do
funcionalismo, atualmente em R$ 29.462,25.
"Remuneração no Ministério Público e Judiciário começa
em um patamar alto, então tem pouco espaço durante a carreira para progressão.
Bate no teto rapidamente. Talvez seja o caso de carreiras um pouco mais amplas,
com um piso um pouco menor, mas que evoluam de acordo com a progressão em
funções internamente, não apenas por tempo de serviço", disse ao Valor uma
fonte que tem acompanhado a mobilização desencadeada por determinação da
presidente Dilma Rousseff. "O Brasil tem demandas importantes em todos os
segmentos. Romper o teto do funcionalismo é indesejável. Todos têm o direito de
querer remuneração melhor, mas temos que olhar para quem tem as demandas
sociais mais graves, que é o conjunto da população", completou a fonte ao
Valor.
Porta-vozes de peso das categorias de magistrados e
integrantes do Ministério Público na defesa da PEC 63, o ministro do Supremo
Tribunal Federal (STF) e futuro presidente da Corte, Ricardo Lewandowski; o
procurador-geral da República, Rodrigo Janot; e o corregedor nacional de
Justiça e ministro do Superior Tribunal da Justiça (STJ), Francisco Falcão, vêm
intensificando, nas últimas semanas, conversas com vários senadores para fazer
lobby pela aprovação do pleito.
"Há um apelo grande de vários altos magistrados nesse
momento no Senado", diz o líder do PT
Além de telefonar a parlamentares de diferentes partidos,
Lewandowski foi a principal autoridade do Judiciário em um jantar organizado,
em Brasília, nos últimos dias, por entidades de juízes e desembargadores, com a
presença de senadores aliados do PTB, PP e PMDB. No encontro, o ministro
portou-se como líder da categoria e levantou o discurso de que os postos da
magistratura precisam ser mais bem remunerados diante das pressões econômicas e
políticas que sofrem. Ele, inclusive, teria alegado, segundo relatos dos
senadores presentes, que o salário dos juízes não é atrativo e os estimula a
optar por outras carreiras. Procurado pela reportagem, Lewandowski não quis
comentar.
A senadora Ana Amélia (PP-RS), vice-líder de seu partido,
confirma as abordagens de Lewandowski, mas se limita a defender que "os
Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário precisam ter mais diálogo para
evitar polêmicas como essa". "Há um apelo grande de vários altos
magistrados nesse momento no Senado nos pedindo apoio para aprovarmos a PEC
63", afirmou ao Valor o líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE). Ele
destaca que o projeto significa a volta de "penduricalhos"
(gratificações sem controle) nos salários de magistrados e membros do MP,
comuns no país antes da lei de 1998, que fixou um teto salarial para o
funcionalismo público. "Aceitamos elevar o teto, mas também repensar as
carreiras."
O presidente da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB),
João Ricardo Costa, avalia que depois das conversas houve maior aceitação dos
senadores. "Temos procurado envolver os tribunais superiores no contato
com o Senado e a perspectiva é que o ministro Lewandowski mude o cenário de
pouca conversa que há hoje entre o presidente do CNJ [Joaquim Barbosa] e
nós", conta. Em nota ao Valor, Francisco Falcão, que pode presidir o STJ a
partir de novembro, defende um plano de carreira para juízes. "Sou a favor
da PEC 63 porque ela significa valorização da carreira dos magistrados, pois
não é justo que magistrado no início da profissão ganhe quase igual a ministro
do STF", disse ao Valor. Já o procurador-geral, Janot, não respondeu aos
pedidos de entrevista.