Correio Braziliense
- 29/10/2016
Para especialistas, melhor formação deve estar associada à
vocação para o setor público. Brasileiros se queixam da baixa qualidade dos
serviços. Em mensagem pelo Dia do Servidor, Temer agradece empenho da categoria
O servidor público tem salário mais alto que o trabalhador
da iniciativa privada, em todos os níveis de escolaridade, segundo levantamento
do economista Nelson Marconi, da Fundação Getulio Vargas (FGV). Com base na
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad Contínua), ele apurou que o
rendimento médio anual no setor público de 2003 a 2015 acumulou alta de 44,51%
acima da inflação. No setor privado, foi de 29,09%. Em 2015, os empregados do
setor público receberam em média 80,6% mais que os do setor privado (R$ 46,4
mil, contra R$ 25,7 mil). É verdade que os servidores são mais escolarizados.
De 2002 a 2014, o percentual de doutores quase triplicou (de 4,5% para 12,2%).
A dúvida da população, no entanto, é em que medida o conhecimento acadêmico
teve reflexo no desempenho e na prestação do serviço público.
Esse é um dilema de longo prazo e não tem solução fácil. Exige
mudança da sociedade como um todo, apontam especialistas. A alta escolaridade,
comparam, deve estar aliada ao princípio da vocação. Apenas por ser
especialista, não significa que o profissional vai executar seu trabalho com
eficiência. "Depende dos valores morais, culturais e éticos. A má
prestação de serviço acontece tanto no setor público quanto no privado. Reflete
uma sociedade em que o título vale mais que a pessoa. É importante lembrar,
diga-se de passagem, que o povo tem o governo e o burocrata que merece",
avaliou a professora Monica Pinhanez, da Escola Brasileira de Administração
Pública e de Empresas (Ebape), da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Ontem, Dia do Servidor Público, o presidente Michel Temer,
em nota, "agradeceu a dedicação e o empenho" da categoria.
"Nenhum país sobrevive e nenhum governo exerce o seu papel sem o corpo de
servidores, responsáveis pelo trabalho diário. Devemos sempre ter consciência
do nosso papel no contexto do Estado e do nosso país", destacou na mensagem.
Antes de apontar o dedo ao servidor público, na opinião de
Monica, os brasileiros devem analisar o tipo de Brasil que querem e a relação
de poder a ser estabelecida, além de incentivar o bom tratamento e a civilidade
entre as partes, assinalou. Para ela, há abusos dos dois lados: do servidor e
do contribuinte. Reclama-se muito, explicou, da estabilidade. "Sem dúvida
é uma faca de dois gumes: pode incentivar exageros, mas também protege o
funcionário para atuar sem ser perseguido. Não seria necessária se alguns maus
contribuintes nunca tivessem também se aproveitado do poderio econômico para
constranger ou ameaçar. Não esqueçamos disso", enfatizou.
Motivação
No serviço público, lembrou Monica Pinhanez, há cargos em
que a exigência de mestrado ou doutorado é compatível. E o concurso público, ao
auferir somente o conhecimento, seleciona sempre os mais preparados. No
entanto, questões subjetivas e intrínsecas, como dedicação e motivação, não são
consideradas. "Até porque são critérios difíceis de mensurar. É complexo prever
desvio de função, abuso de poder ou até corrupção. Vão além da questão
meritocrática", definiu Monica.
Para a maioria dos contribuintes, o atendimento ao público
piorou drasticamente. "Parece que a qualidade teve resultado inversamente
proporcional à elevação do nível de escolaridade. Há 40 anos, tínhamos
servidores analfabetos que não entendiam nada do que estavam fazendo. Hoje,
temos a honra de ser recebidos por mestres e doutores, com altíssima capacidade
de concatenação, que se acham os donos da verdade e nos tratam com arrogância
sem tamanho, como se fôssemos seres inferiores e eles, os deuses do Olimpo",
ironizou o engenheiro Nelson Lino Carlos, 97 anos, 40 deles no setor público.
O trabalhador autônomo Sebastião Alves Teixeira, 58, se
revoltou com o tratamento que recebeu quando foi renovar a carteira de
motorista este ano. "Os atendentes do Detran sequer olham quem está na
frente deles. Fazem questão de demonstrar que não queriam estar ali. É como se
fôssemos de outra espécie", lamentou.
(Vera Batista)