BSPF - 26/10/2017
A administração de recursos humanos do setor público
apresenta peculiaridades, provenientes da própria natureza dos seus órgãos, que
as organizações privadas não têm. Por isso, os desafios para garantir a
eficiência, o desempenho no trabalho e o retorno à sociedade são diferentes. Na
análise da economista Iara Pinto Cardoso, especialista em gestão pública e
planejamento de projetos, é preciso adequar o quadro de servidores ao tamanho
da máquina estatal, conciliar os gastos com pessoal e o orçamento estipulado
para cada esfera e desburocratizar as rotinas.
Mas se não houver medidas de incentivo ao servidor público,
todo o esforço para o bom atendimento à população vai por água abaixo. “Como
soluções para esses desafios, é possível citar, dentre outros, a criação de
planos de carreira específicos e compatíveis com as necessidades do Estado e
daqueles que para ele trabalham, políticas de capacitação, desenvolvimento e
treinamento, um plano salarial adequado ao orçamento estatal e, ao mesmo tempo,
capaz de estimular o desempenho dos servidores públicos”, destacou Iara
Cardoso.
“É delicado comparar o serviço público com o privado. A
modernização não pode ter simplesmente esse objetivo”, alertou o especialista
em serviço público Rudi Cassel, do escritório Cassel Ruzzarin Santos Rodrigues
Advogados. As medidas anunciadas pelo governo (MP 792), que estabeleceram o
Programa de Demissão Voluntária (PDV), a redução de jornada e a licença
incentiva, de acordo com Cassel, dentro da ótica da transformação dos agentes
para o atendimento da cidadania, são totalmente equivocadas. “Há, sim uma
perspectiva de transformar o serviço público em bico, uma vez que se autoriza
atividades paralelas. Já vi servidores animados com a possibilidade de
trabalhar menos. Mas, para a sociedade, será uma tragédia”.
Existem profissões já contempladas com expediente menor que
as demais e permissão de trabalho remunerado fora do serviço público. “Médicos,
por exemplo. No entanto, são constantes as denúncias de que eles sequer vão aos
hospitais e de que só atendem em consultórios particulares”, lembrou Cassel.
Isso acontece, disse, não porque o médico seja menos comprometido que as demais
carreiras. Mas porque a fiscalização do Estado é falha, eles não passam por
reciclagem e treinamento constantes e muitos se sentem desprestigiados.
“Os administradores criam apenas programas de governo, que
mudam a cada quatro ou cinco anos. E não projetos de Estado. Falta um
gerenciamento competente”, reclamou Cassel. Cleito dos Santos, professor da
Faculdade de Ciências Sociais (FCS), da Universidade de Goiás (UFG), lembrou
que o serviço público no Brasil foi organizado de maneira precária ao longo de
décadas. “Tivemos de fato um serviço público articulado, em que os servidores
chegam ao cargo por competência técnica, a partir dos anos 1980, com a
instituição dos concursos públicos. Anteriormente, os critérios de admissão
eram o parentesco e a amizade. É bom observar que, no caso brasileiro, isso é
recente, posterior ao regime militar”, ressaltou.
Os dois lados da moeda
Quando se trata dos direitos e deveres do servidor, o Brasil
ainda tem muito que melhorar. Cada vez mais – e recentemente de maneira
reiterada, em consequência dos cortes orçamentários -, eles convivem em
condições precárias de trabalho, falta de materiais e aparatos indispensáveis
(de computadores a cadeiras) e de pessoal, burocracia exagerada e lentidão de
processos. Lidam com nepotismo, apadrinhamento político e hierarquia excessiva.
E com chefes e funcionários desqualificados, que insistem em não mudar. Às
vezes, de mãos atadas, levam a fama de incompetentes e desinteressados.
No entanto, também têm sua parcela de culpa pelas
reclamações dos contribuintes. O nível de escolaridade no serviço público se
elevou. Hoje, a maioria tem curso superior completo, mestrado e doutorado. Os
ganhos mensais médios vão de R$ 10 mil a R$ 17 mil, enquanto na iniciativa
privada não ultrapassa os R$ 2 mil. Mas a eficácia no atendimento pouco mudou
ao longo dos anos. Esse é um dilema de longo prazo e não tem solução fácil, destacou
Monica Pinhanez, da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas
(Ebape), da Fundação Getulio Vargas (FGV). “Depende dos valores morais,
culturais e éticos. A arrogância, o desprezo aos demais e a tirania acontecem
em todos os lugares. Refletem uma sociedade em que o título vale mais que a
pessoa. O povo tem o governo e o burocrata que merece”, ironizou.
Por Vera Batista
Fonte: Blog do Servidor