Correio Braziliense - 19/07/2018
Não são apenas os segurados da Previdência Social, como o
Correio mostrou na edição de ontem, que têm aumentado o endividamento em
operações de crédito consignado. Servidores da União, de estados e de municípios
já devem R$ 180,2 bilhões aos bancos nessa modalidade, de acordo com dados do
Banco Central (BC). Entre janeiro e maio, esse grupo tomou R$ 4 bilhões em
empréstimos. Em média, os funcionários da administração pública contratam,
diariamente, R$ 26,8 milhões em financiamentos com desconto em folha.
Os servidores devem quase 10 vezes mais do que os
trabalhadores do setor privado, que têm uma saldo de R$ 19 bilhões de
empréstimos consignados com instituições financeiras. Nos cinco primeiros meses
do ano, assalariados com carteira assinada tomaram R$ 602 milhões em operações
desse tipo, uma média diária de R$ 3,9 milhões, ou quase sete vezes menos que o
contratado por funcionários públicos. O valor das operações revela ainda outra
diferença entre as duas categorias. Os 11,4 milhões de trabalhadores da
administração pública devem, em média, R$ 15,7 mil cada um. Por sua vez, os
32,7 milhões de assalariados do setor privado têm, individualmente, uma dívida
média de R$ 580 com o consignado. Os governos petistas de Luiz Inácio Lula da
Silva e Dilma Rousseff foram os que mais incentivaram a contratação de
empréstimos consignados e contribuíram para um crescimento significativo do
estoque dessa linha de crédito.
Facilidades
Em setembro de 2015, o Congresso autorizou servidores,
beneficiários do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e trabalhadores do
setor privado a comprometer até 35% da remuneração com empréstimos com desconto
em folha - antes, o limite era de 30%. O texto definiu que a faixa adicional deve
ser usada, exclusivamente, para o pagamento das despesas com cartão de crédito,
de modo a reduzir o comprometimento com essa linha, mais cara. Um ano antes, em
setembro de 2014, o Conselho Nacional de Previdência Social (CNPS) havia
elevado de 60 para 72 meses o prazo de pagamentos desses financiamentos. E o
Ministério do Planejamento, aumentado de 60 para 96 meses o período máximo para
quitação dessas operações.
No caso dos
trabalhadores da iniciativa privada, esse prazo é negociado com os bancos e
depende do valor do financiamento. Em 2017, uma das medidas estudadas pelo
governo para tentar alavancar a economia era aumentar, novamente, o prazo para
pagamento de empréstimos consignados. O líder do governo no Senado, Romero Jucá
(PMDB-RR), declarou, na época, que o Executivo elevaria para até 130 parcelas o
prazo concedido a servidores federais para quitar as operações. Na avaliação do
senador, o alongamento do prazo das dívidas diminuiria o valor das prestações e
abriria espaço para as famílias consumirem. Após fortes críticas, a proposta
foi abortada.
Renda maior
Os servidores públicos são favorecidos por juros mais baixos
na hora de contratar um crédito consignado. A taxa média mensal chega a 1,8% e,
ao ano, a 23,6%. Para trabalhadores do setor privado, o custo do financiamento
é maior e chega a 2,8% mensais. No ano, os juros cobrados dos assalariados com
carteira assinada alcançam 40,1%. A diferença nas taxas pode ser explicada pelo
nível de inadimplência. Entre os servidores públicos, o percentual de dívidas
atrasadas em mais de 90 dias chegou a 2,4% em maio. No caso dos trabalhadores
do setor privado, essa parcela é de 4,1%.
O economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio de
Bens, Serviços e Turismo (CNC), Fábio Bentes, destacou que há uma peculiaridade
no caso dos servidores. "No setor público, a renda dos trabalhadores é
maior. Isso pode estar por trás do endividamento. Com salários maiores, podem
comprometer uma maior parte com consignados. Já o setor privado sofre com uma
média salarial menor", avaliou. O economista ainda destacou que, em
períodos de menor crescimento econômico ou de recessão, há maior rotatividade e
mais desemprego, o que diminui o apetite dos bancos em emprestar para
trabalhadores do setor privado, mesmo que com desconto em folha.
Bola de neve
Na avaliação do
economista Carlos Eduardo de Freitas, ex-diretor do BC, tanto servidores
públicos quanto trabalhadores da iniciativa privada precisam tomar cuidado ao
contratar os financiamentos.
Segundo ele, mesmo que essas operações tenham taxas mais
baixas, os brasileiros têm forte disposição ao consumo, o que pode transformar
as dívidas em verdadeiras bolas de neve. "É preciso que o tomador faça
contas e economize para não cair em armadilhas", aconselhou.
Por Antonio Temóteo