Consultor Jurídico - 15/07/2018
O direito de greve do servidor público, conforme contemplado
no artigo 37, inciso VII, da Constituição da República, exige a edição de ato
normativo que integre sua eficácia. No entanto, até o momento, não se verifica
atuação legislativa que dê concreção ao comando positivado no texto
constitucional. Diante da mora legislativa contumaz, o Supremo Tribunal Federal
consolidou, nos mandados de injunção 670, 708 e 712, entendimento no sentido de
ser aplicável a Lei de Greve (Lei 7.783/1989) aos servidores.
Contudo, a aplicação da legislação trabalhista não se dá nos
seus exatos termos, mas com adaptações predeterminadas pelo Supremo. Nas
palavras do ministro Eros Grau: “Não se aplica ao direito de greve dos
servidores públicos, repito-o, exclusivamente, e em sua plena redação, a Lei
7.783/89, devendo o Supremo Tribunal Federal dar os parâmetros de seu
exercício. Esses parâmetros hão de ser definidos por esta Corte de modo
abstrato e geral”.
Em virtude desses e de outros fatores, o STF assumiu um
papel de extremo relevo na parametrização do direito de greve do servidor.
Assim, de acordo com a corte, alguns critérios devem ser observados para que
haja a legalidade do movimento paradista, especialmente a necessidade de o
movimento grevista cientificar a administração com antecedência mínima de 72
horas da paralisação, mediante comunicação formal; e a observância de que a
paralisação deverá ser parcial, assegurando o funcionamento dos serviços
essenciais em cota mínima, ou seja, garantir a regular continuidade da
prestação do serviço público.
Portanto, nos termos definidos pelo Supremo Tribunal
Federal, a greve dos servidores deve atender ao princípio da continuidade dos
serviços públicos. Por esse motivo, a paralisação dos serviços, quaisquer que
sejam, pode ser apenas parcial. Não pode haver greve total no serviço público.
Logo, a regularidade na prestação de serviços deve ser mantida, atentando-se
especialmente para o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, sob
pena de que se configure o abuso de direito.
Outra questão pacificada pelo Supremo refere-se ao desconto
na remuneração de servidores públicos decorrente da adesão ao movimento
grevista. Em face dos inúmeros questionamentos sobre o assunto, o STF
reconheceu a repercussão geral do tema no Recurso Extraordinário 693.456 e, em
novembro de 2017, fixou a tese nos seguintes termos: “A administração pública
deve proceder ao desconto dos dias de paralisação decorrentes do exercício do
direito de greve pelos servidores públicos, em virtude da suspensão do vínculo
funcional que dela decorre, permitida a compensação em caso de acordo. O
desconto será, contudo, incabível se ficar demonstrado que a greve foi
provocada por conduta ilícita do Poder Público”.
Essa tese foi recentemente referendada pela ministra Cármn
Lúcia ao suspender os efeitos de decisões do Superior Tribunal de Justiça que
proibiam a União de descontar os dias não trabalhados nos salários de auditores
fiscais da Receita Federal que aderiram à greve da categoria. Em exame
preliminar do pedido, a ministra resgatou a tese acima mencionada, ressaltando
que “a aplicação do art. 7º da Lei nº 7.783/89 — determinada por esta Corte —,
que estabelece que a ‘participação em greve suspende o contrato de trabalho’,
induz ao entendimento de que, em princípio, a deflagração de greve corresponde
à suspensão do contrato de trabalho. Isso porque, na suspensão não há falar em
prestação de serviços, tampouco no pagamento de sua contraprestação. Desse
modo, os servidores que aderem ao movimento grevista não fazem jus ao
recebimento das remunerações dos dias paralisados, salvo no caso em que a greve
tenha sido provocada justamente por atraso no pagamento ou por outras situações
excepcionais que justifiquem o afastamento da premissa da suspensão da relação
jurídica de trabalho e, por consequência, da atividade pública”. (STA 867 MC,
Rel.: Min. Presidente Cármen Lúcia, j. em 28.05.2018.)
No que tange ao regramento infraconstitucional do direito de
greve, o Plenário do STF julgou improcedentes, há pouco tempo, duas ações
diretas de inconstitucionalidade propostas em face do Decreto 4.264/1995 do
estado da Bahia, o qual “determina providências a serem adotadas, em caso de
paralisação de servidores públicos, a título de greve”. O normativo contempla,
entre outras regras, a convocação dos grevistas a reassumirem imediatamente o
exercício dos respectivos cargos; a instauração de processo administrativo
disciplinar para apuração do fato e aplicação das penalidades cabíveis; o
desconto do valor correspondente aos vencimentos e vantagens dos dias de falta
ao serviço e a contratação de pessoal, por tempo determinado, configurada a
necessidade temporária de excepcional interesse público, gerada pela
paralisação do serviço.
A despeito de o acórdão ainda não ter sido publicado, é
possível inferir da notícia divulgada no site do Supremo, sob o título
“Plenário julga constitucional decreto da BA sobre greve no serviço público”,
que a decisão de julgamento das ADIs afastou a alegação de que a norma teria
invadido a competência da União para regular o direito de greve, na medida em
que o normativo não abordou o direito em si, mas as consequências
administrativas dele decorrentes. Com base nisso, votaram pela improcedência
das ADIs os ministros Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Luiz
Fux e Celso de Mello.
Diversamente, o ministro Luís Roberto Barroso votou pela
procedência parcial dos pedidos, declarando a inconstitucionalidade de dois
dispositivos do decreto estadual, os quais preveem, respectivamente, a
instauração de processo administrativo disciplinar visando a penalização dos
servidores grevistas que não reassumam o cargo e a exoneração imediata dos
grevistas que ocupem cargo de provimento temporário e de função gratificada.
Outrossim, o ministro Luiz Edson Fachin abriu divergência
considerando que o normativo é integralmente inconstitucional, pois contraria o
artigo 37, inciso VII, da Constituição e limita o exercício do direito de
greve, no que foi seguido pelos ministros Marco Aurélio, Rosa Weber e Ricardo
Lewandowski.
Destarte, ainda que extremamente controverso o resultado do
julgamento das ADIs, em razão da clara afronta à concretização do direito
fundamental de greve do servidor, decorrente da validação da possibilidade de
este responder a um PAD e até mesmo ser exonerado em consequência da adesão ao
movimento grevista, fato é que o Supremo admitiu a constitucionalidade do
decreto estadual examinado. Diante disso, tratando-se do órgão responsável por
parametrizar tal direito, consoante autointitulação, tem-se a autorização
necessária para que os entes federativos normatizem a greve dos seus
servidores, nos moldes inaugurados pelo estado da Bahia.
Por Camila Cotovicz Ferreira
Camila Cotovicz Ferreira é sócia da Bonini Guedes Advocacia,
graduada pelo Centro Universitário Curitiba, pós-graduada em Licitações e
Contratos Administrativos pelo Centro Universitário Autônomo do Brasil e em
Direito Administrativo pelo Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar.