BSPF - 31/03/2019
Análise das alterações promovidas no RPPS pela reforma
No dia 20 de fevereiro de 2019, o Poder Executivo submeteu à
análise do Congresso Nacional a Proposta de Emenda à Constituição do Governo
Bolsonaro (PEC n. 006/2019), que “Modifica o sistema de previdência social,
estabelece regras de transição e disposições transitórias, e dá outras
providências”.
Com o suposto intuito de garantir maior sustentabilidade ao
sistema previdenciário e de potencializar a liberação de recursos para alocação
no âmbito da seguridade social e de outras políticas públicas, a PEC n.
006/2019 propõe alterações no texto constitucional que impactarão profundamente
os direitos sociais dos trabalhadores
No que se refere ao regramento aplicável aos servidores
públicos, a PEC modifica os requisitos para a concessão de aposentadoria e os
critérios de cálculo dos proventos e cria rígidas normas de transição, aspectos
já levantados na reforma da previdência proposta pelo governo anterior (PEC n.
287/2016).
Para além disso, o texto é controvertido em diversos outros
pontos, e acaba por criar óbices e restrições à fruição de direitos sociais,
formadores da base do ordenamento jurídico do Estado Democrático de Direito.
Entre as inovações trazidas pela proposta, merecem destaque:
1) o estabelecimento de um novo regime previdenciário,
baseado em sistema de capitalização, em substituição ao tradicional regime de
repartição;
2) a desconstitucionalização da previdência social, tendo em
vista que a PEC n. 006/2019 remete à futura lei complementar a competência para
disciplinar a concessão de benefícios;
3) a implementação de significativo aumento na alíquota de
contribuição previdenciária, que passará a ser progressiva e poderá atingir o
patamar exorbitante de 22% (vinte e dois por cento); e
4) no âmbito do regime de previdência complementar, a
autorização do patrocínio de planos administrados por entidades fechadas de
previdência complementar não instituídas pelo ente federativo ou por entidades
abertas de previdência complementar, por meio de procedimento licitatório.
Após uma análise minuciosa do texto proposto, a conclusão a
que se chega é a de que, caso a PEC n. 006/2019 seja aprovada nos termos em que
encaminhada, princípios basilares da Constituição/1988 – tais como o da vedação
ao retrocesso social, da dignidade da pessoa humana e da máxima eficácia e
efetividade dos direitos fundamentais – serão desrespeitados, já que os
cidadãos não poderão confiar minimamente nas instituições sociais e na
estabilidade de seus benefícios previdenciários.
Com a desconstitucionalização da previdência, por exemplo,
nenhum dos critérios básicos para obtenção de aposentadoria ou de pensão por
morte ficarão resguardados pelo texto constitucional. E o que isso implica na
prática?
A constitucionalização do direito previdenciário decorre da
evolução do Estado de Direito na legitimação da ordem política, pois procura
estabelecer um limite de proteção aos direitos essenciais, a fim de blindar o
seu núcleo contra eventuais oscilações político-econômicas.
Retirar o status constitucional da previdência social
permite que novas reformas sejam realizadas com maior frequência e facilidade.
Afinal, para alterar futura lei complementar regulamentadora dos direitos
sociais, basta a edição de uma segunda lei complementar, que exige quórum de
parlamentares significativamente menor para ser aprovada, se comparada com as
propostas de emenda à Constituição.
Não é razoável que, a cada episódio de crise, os segurados
sejam “penalizados” por reformas previdenciárias cada vez mais severas e que
sequer possam ter o resguardo constitucional de quais benefícios farão jus nos
momentos de maior suscetibilidade (como por ocasião do ingresso na inatividade
e diante do evento morte).
E não se está aqui a defender a inalterabilidade das regras
de aposentadoria e de pensão: o que se exige é que seja conferido um mínimo de
segurança jurídica ao tema, já que o direito previdenciário constitui direito
fundamental.
Outra inconstitucionalidade evidenciada no texto proposto
decorre da implementação de alíquotas progressivas de contribuição
previdenciária para ativos e inativos, que ignora o entendimento sufragado pelo
Supremo Tribunal Federal (STF) de que tal mecanismo é atentatório ao princípio
da vedação à utilização de qualquer tributo com efeito de confisco.
Além disso, o aumento da alíquota de contribuição
previdenciária previsto pela PEC, ao contrário do que propalado pelo governo
(contenção do suposto déficit no orçamento previdenciário), configura medida
irrazoável e desproporcional que objetiva unicamente incrementar as receitas
públicas.
A contribuição previdenciária, aliada à incidência de
imposto sobre a renda no patamar de 27,5% (vinte e sete vírgula cinco por
cento), enseja nítida tributação confiscatória nos valores percebidos pelos
servidores, que em alguns casos pode alcançar o índice exorbitante de 49,5%
(quarenta e nove e meio por cento).
A majoração da carga tributária desacompanhada da necessária
adoção de práticas que visem a conferir maior eficiência ao aparelho
administrativo imputa indevidamente a resolução dos problemas enfrentados pelo
Estado somente aos contribuintes, em clara utilização de medida confiscatória.
Esses são apenas alguns dos aspectos que demonstram que o
texto prévio apresentado ao Congresso é passível de intensa controvérsia sob a
ótica dos limites constitucionais à supressão de direitos sociais
historicamente resguardados pela Constituição, o que esclarece um longo cenário
de reflexões e de debates.
O próximo passo para a aprovação da PEC é a análise do texto
pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), instalada na última semana, que
terá a tarefa de verificar se a proposta está de acordo com os preceitos
constitucionais. Os deputados terão o prazo de 5 (cinco) sessões para votar um
parecer.
Em seguida, se a CCJ aprovar a constitucionalidade do texto,
será criada uma Comissão Especial formada por deputados para discutir o mérito
da PEC. É nessa fase que os deputados poderão sugerir mudanças no conteúdo por
meio de emendas. A comissão terá o prazo de até 40 (quarenta) sessões para
votar um parecer, a ser apresentado pelo relator escolhido.
Se aprovada pelo Colegiado, a PEC segue para votação no
plenário da Câmara, onde precisará do apoio de ao menos 308 (trezentos e oito)
dos 513 (quinhentos e treze) votos, em 2 (dois) turnos de votação.
Para facilitar a compreensão do novo regime previdenciário,
todas as alterações promovidas pela PEC n. 006/2019 no âmbito do Regime Próprio
de Previdência Social (RPPS) foram minuciosamente analisadas, não apenas por
meio da comparação do texto constitucional em vigor e da redação proposta, mas
também por meio de uma abordagem crítica do que essas alterações efetivamente
representam. Para ter acesso à íntegra do estudo, basta clicar aqui.
Fonte: Fonacate