Metrópoles - 31/03/2019
A publicação do Decreto 9.739/2019, na semana que passou,
abalou os ânimos dos concurseiros, que têm sido bombardeados com as medidas
restritivas impostas pelo governo federal para a realização de seleções públicas.
Ao valorizar a terceirização e endurecer as regras para liberação de novos
concursos, a equipe do presidente Jair Bolsonaro (PSL) põe em prática ações
anunciadas desde o início da atual gestão.
O Executivo federal detém o maior número de carreiras
atrativas do setor público. A sequência de ações descontruindo a estruturação e
valorização ocorridas na última década impacta em cheio a confiança dos
candidatos na busca por uma vaga.
Consequentemente, há um processo natural de direcionamento
do interesse pelas vagas em outros poderes e âmbitos, especialmente o
Judiciário e os Executivos estaduais e municipais. Eles não são impactados
diretamente pelas mudanças e, além disso, passam por expansão e estruturação do
quadro de servidores.
Apesar de não ter qualquer obrigação em promover alterações
em seus processos seletivos, Justiça e governos das unidades da Federação e dos
municípios, em prol dos futuros servidores, podem incorporar algumas das
mudanças determinadas pela União, como a ampliação de 60 dias para 120 dias do
prazo entre a publicação do edital de abertura e a realização das primeiras
provas.
Em contrapartida, à época da edição do agora revogado
Decreto 6.944/2009, a restrição de aproveitar até 50% da lista de aprovados não
foi admitida em outros poderes e âmbitos. Portanto, assim deve ser mantido, com
a redução do percentual pela metade.
Mais alarde que mudanças
O impacto maior do decreto federal está mais no alarde
criado pelo contexto político-econômico do que em alterações na legislação que
direciona a realização dos concursos. Por se tratar de um assunto complexo e
com linguagem pouco acessível à maioria dos interessados, é natural que a
tensão se instale com intensidade. Mas há mais barulhos do que mudanças de
fato.
A validade dos concursos é de dois anos desde que a
Constituição Federal foi publicada, em 1988. Assim como a possibilidade – e não
obrigação – de renovação por igual período. O Ministério da Economia sempre foi
responsável pela liberação das autorizações, mesmo quando tinha outras
denominações. Até as exceções para as carreiras de procurador da Fazenda
Nacional, procurador federal, advogado da União, defensor público da União,
diplomata, policial federal e professores universitários já existiam, pois
estão previstas em leis específicas de cada uma.
Boa parte dos requisitos exigidos para solicitação de novos
concursos são os mesmos que os aplicados há anos. A novidade está na cobrança
por resultados a partir da modernização dos processos administrativos. Até a
flexibilidade para terceirização não é de agora – foi publicada ainda na gestão
do ex-presidente Michel Temer – e afeta um percentual limitado de postos,
aqueles que não têm plano de carreira.
Disputa de poder
O abalo nas expectativas dos concurseiros se deve mesmo à
morosidade e à paralisia por parte do ministro Paulo Guedes, da Economia, e sua
equipe. O prazo para entrega dos pedidos dos órgãos federais para a realização
de novos certames termina em 31 de maio e devem seguir as determinações
vigentes. O que quer dizer que as 140 solicitações que aguardavam análise da
Economia não devem ser aproveitadas e o destino será o arquivamento.
A postura usada para divulgação das ações do governo federal
tem tido um grande apelo midiático e reforçado a dualidade da opinião pública
ao invés de deixar claras as ações, como, por exemplo, a origem e natureza dos
21 mil cargos e funções extintos em órgãos da União.
A falta de transparência e de previsibilidade prejudica o
planejamento e as escolhas dos concurseiros, que ficam à deriva, sujeitos a
notícias e interpretações distorcidas. Por consequência, alimenta o mercado
especulativo de venda de cursos e materiais"
Na contramão
Uma estrutura concisa e estável de funcionário é necessária
para qualquer Estado que deseje funcionar melhor, preze pela eficiência e pela
eficácia de suas atitudes. As escolhas, em boa parte, têm sido incoerentes com
os resultados desejados.
Basta observar os fechamentos sequenciais de postos do
Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e da Polícia Rodoviária Federal –
que vão continuar enquanto não houver reposição do quadro de profissional –, o
esvaziamento dos pontos da Receita Federal ou a redução das ações de
fiscalização dos auditores fiscais do trabalho.
Não se pode negar a importância da modernização dos
processos burocráticos ou da redução de cargos ocupados por razões políticas e
não técnicas. Demandas antigas, cíclicas e redundantes da população e também
dos servidores de carreira. Por isso mesmo, cada passo deve ser pensando
visando a reestruturação do Estado e não o que vai gerar mais debates e espaço
na imprensa.
Por Letícia Nobre