Terra - 19/08/2019
Redução de jornada de servidor deve dividir o STF
Crise dos Estados pode influenciar julgamento da LRF no
Supremo, que vai ter início na próxima quarta; placar promete ser apertado
A possibilidade de Estados e municípios em crise financeira
reduzirem a jornada de trabalho e cortarem o salário de servidores públicos
deve dividir o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), segundo apurou o
'Estado' com integrantes da Corte. A medida é um dos principais pontos que o
Supremo vai analisar a partir desta quarta-feira, 21, na retomada do julgamento
de oito ações sobre a validade de dispositivos da Lei de Responsabilidade
Fiscal (LRF). A lei foi sancionada em 2000 pelo então presidente Fernando
Henrique Cardoso.
Um dos artigos da lei - que permite reduzir jornada de
trabalho e salário de servidores caso o limite de gasto com pessoal de 60% da
Receita Corrente Líquida (RCL) seja atingido - foi suspenso de forma unânime
pelo STF em 2002. O sinal verde à aplicação dessas medidas daria aos
governadores instrumentos para lidar com as dificuldades.
Nas contas do Tesouro Nacional, 12 Estados fecharam 2018
gastando mais que o permitido com a folha de pessoal. Com a redução da jornada,
os Estados que ultrapassam o limite poderiam economizar até R$ 38,8 bilhões,
conforme revelou o Estado em maio. O relator das ações é o ministro Alexandre
de Moraes.
Outro instrumento da lei, também suspenso, é o que permite
ao Poder Executivo segurar repasses aos demais poderes quando há frustração de
receitas e necessidade de bloquear despesas. Hoje, na prática, Judiciário,
Legislativo e Ministério Público dos Estados ficam blindados dos efeitos da
crise e acumulam recursos em caixa enquanto falta dinheiro para pagar
servidores e outras contas no Executivo.
Dentro da Corte, a previsão é a de que a análise do mérito
das ações dure ao menos duas sessões plenárias. A crise dos Estados pode
influenciar o resultado, segundo dois ministros ouvidos reservadamente. O
debate ganhou força após a União socorrer novamente os governadores em 2016,
sem que isso tenha colocado ponto final à crise.
Da antiga composição do Supremo que barrou a autorização
para redução de salários de servidores, permanecem apenas os ministros Celso de
Mello e Marco Aurélio Mello. Para Marco Aurélio, apesar de a crise ter se
aprofundado de 2002 para cá, a Constituição segue "a mesma".
"Não cabe (reduzir salário). Cabe adotar as medidas previstas na
Constituição Federal, ou seja, diminuir o número de funções comissionadas e
gratificações. O salário é a fonte do sustento do servidor, e ainda tem a
cláusula da irredutibilidade dos vencimentos (na Constituição). Minha convicção
é firme em sustentar a lei maior, que é a Constituição", disse Marco
Aurélio ao Estado.
Mapa de votos
A expectativa de membros do STF é a de que os ministros
Ricardo Lewandowski, Edson Fachin e Rosa Weber se aliem a essa corrente
contrária à redução dos vencimentos. Por outro lado, Moraes, Gilmar Mendes e
Dias Toffoli - que já ocuparam cargos no Executivo federal - seriam mais
sensíveis aos argumentos da União e, portanto, mais propensos a votarem pela
legalidade da redução da jornada. Os ministros Luís Roberto Barroso e Luiz Fux
tenderiam a aderir a essa ala.
Caso o cenário se confirme, o voto decisivo pode vir da
ministra Cármen Lúcia, considerada pelos colegas uma magistrada sensível à
opinião pública. Antes do STF, a ministra atuou como procuradora de Minas
Gerais, que está mergulhado em grave crise e tem parcelado salários.