BSPF - 24/08/2019
Um alívio. Esse foi o sentimento que o servidor do Instituto
Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), o oceanógrafo José Martins da Silva
Júnior, experimentou na tarde da quinta-feira, 22, quando recebeu a notícia de
que a Justiça Federal de Brasília havia suspendido a sua remoção da área de
proteção ambiental de Fernando de Noronha, onde trabalha há 30 anos, para a
Floresta Nacional de Negreiros, no sertão pernambucano.
Martins, que tem formação de mestrado e doutorado na área de
oceanografia e trabalha com pesquisa e proteção de mamíferos aquáticos, foi
surpreendido dias atrás com a informação de que teria de deixar Noronha. A
notificação ocorreu dias depois de o presidente Jair Bolsonaro dizer, em julho,
que o preço das visitações eram caros e que as coisas tinham que mudar por ali.
Bolsonaro foi avisado do preço das taxas pelo presidente da Embratur, que fez
visitas ao local. O ministro do Meio Ambiente e o presidente do ICMBio também
estiveram na ilha na ocasião e se reuniram com empresários.
A transferência do servidor, que realiza estudos e pesquisas
há décadas sobre golfinhos, foi assinada no início deste mês pelo presidente do
instituto, o coronel Homero de Giorge Cerqueira, escolhido em maio pelo
ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Com a remoção, o oceanógrafo teria
de apresentar no novo local de trabalho até o início de setembro.
Nesta quinta-feira, o cenário mudou. Em decisão liminar, a
juíza da 13ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal, Edna
Márcia Silva Medeiros Ramos, reconheceu o prejuízo que o servidor sofreria em
razão da mudança para o sertão pernambucano: “Reconheço haver fundado perigo de
irreversibilidade dos efeitos a serem produzidos pela medida administrativa
impugnada, consubstanciado na consumação da remoção do servidor”, escreveu. A
suspensão terá vigência até o julgamento do mérito da questão.
Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, Martins
desabafou. “Foi um alívio, mas não uma surpresa, porque todos os juristas me
disseram que eu tinha muita chance de ganhar. Mas eu não vejo perdedor. Sou da
estratégia dos golfinhos, que joga o jogo do ganha-ganha. Para um ganhar, o
outro não precisa perder”, comentou. “O que sinto é um sentimento de justiça, e
que foi feito pela Justiça Federal. E isso não é coisa só minha, é uma resposta
para todas as pessoas que brigam e batalham pela conservação da natureza no
Brasil. Não guardo mágoa de ninguém e de nenhum processo. O importante é a
gente pensar no futuro, em como cuidar melhor do País.”
Martins conta que não chegou a sair da ilha. Estava
aguardando o resultado do processo que moveu, na tentativa de permanecer no
arquipélago, com sua família. “Eu tinha 30 dias para me apresentar em
Pernambuco, mas acreditava e tinha fé que a gente ia ter esse ganho na Justiça,
ainda que preliminarmente. Então, eu não saí de Fernando de Noronha, continuei
trabalhando minhas oito horas por dia aqui”, comentou. “Agora, sigo trabalhando
normalmente, até uma segunda decisão da Justiça venha, ou que o ICMBio entenda
que a continuidade do meu trabalho em Fernando de Noronha é a melhor opção,
atendendo aqui as necessidades do ICMBio.”
Quando soube que seria removido para o sertão de Pernambuco,
Martins tentou argumentar, por meio de um processo administrativo, que não
tinha qualquer conhecimento sobre a nova unidade de conservação. Ainda assim, o
presidente do ICMBio manteve a sua remoção compulsória.
“A possibilidade de ser encaminhado para o sertão de Pernambuco
me surpreendeu, me deixou muito desapontado, sem dúvida nenhuma. Eu tenho toda
uma formação que se baseou em escolas e universidades públicas de oceanografia.
Meu conhecimento sobre essa área é público, e é algo que tenho que devolver
para a sociedade. Não posso esquecer esse conhecimento e começar a trabalhar em
um lugar onde não tenho nada a acrescentar”, disse.
Segundo o especialista, a decisão da Justiça Federal, mesmo
que em caráter preliminar, deve ajudar no processo de mantê-lo no local onde
trabalha. “Não podemos eliminar peças do jogo. Quando isso acontece, fica
desequilibrado. Agora espero que o ICMBio entenda o apelo da comunidade de
Fernando de Noronha e o apelo da Justiça e nos ajude no caminho da preservação,
conservação do desenvolvimento sustentável oceânico.”
Nas últimas semanas, o Ministério do Meio Ambiente tem feito
diversas remoções de cargos e funções sem qualquer tipo de aviso prévio aos
servidores, que já acusaram o ministro da Pasta, Ricardo Salles, de assédio
moral coletivo.
(Estadão Conteúdo)
Fonte: ISTOÉ