BSPF - 20/11/2019
Permite que servidores atuem como advogados contanto que não
haja envolvimento ''contra a Fazenda Pública que os remunere ou perante a
esfera do Poder Judiciário ou do MP em que sejam ocupantes''
Enquanto o governo tenta "cortar privilégios"
projetando menos regalias ao serviço público na reforma Administrativa, um
projeto de lei que afrouxa as regras do Estatuto dos Advogados para que
servidores possam atuar na iniciativa privada reabre a discussão sobre
princípio da moralidade e tráfico de influência. Proposto pelo senador Major
Olímpio (PSL-SP), o PL 5.953/19, diz que ocupantes de cargo efetivo ou em
comissão do Judiciário, Ministério Público, Conselho Nacional de Justiça (CNJ)
e Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) podem atuar, também, como
advogados.
A proposição foi feita há uma semana e prevê mudanças no
art. 30 da lei 8.906/94. Permite que servidores atuem como advogados contanto
que não haja envolvimento "contra a Fazenda Pública que os remunere ou
perante a esfera do Poder Judiciário ou do MP em que sejam ocupantes". Na
justificativa, Major Olímpio diz que a proposta pretende corrigir "grave
injustiça" contra servidores que, formados em Direito e aprovados no exame
da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), são proibidos de advogar.
Para o juiz Samer Agi, do Tribunal de Justiça do DF e dos
Territórios (TJDFT), as regras "podem violar o princípio da moralidade",
uma vez que servidores do CNJ e do CNMP têm contato com toda a estrutura
administrativa dos órgãos que fiscalizam ainda que, diretamente, não pertençam
a elas. "Acho que não deveriam poder advogar em hipótese alguma".
Servidores de tribunais superiores também não poderiam advogar perante
tribunais de Justiça, regionais federais nem do Trabalho, salienta.
"Assim, evitar-se-iam quaisquer constrangimentos e possível exercício de
influência".
Integrante aposentado do Ministério Público Federal (MPF) e
ex-ministro da Justiça, Eugênio Aragão acredita que "quem tem contato com
juízes e procuradores, participa do cafezinho, não pode ter contato com eles
como partes em processos". Na opinião dele, isso abre uma brecha para que
se venda "mais acesso que defesa". Além disso, Aragão lembra que a
"advocacia tem de ser, ademais, compatível com o horário de trabalho. Caso
contrário, servidores começarão a fazer bico no serviço público para dedicar-se
com mais vênia à advocacia".
Partilha desta opinião o advogado Ticiano Figueiredo,
presidente da Comissão Nacional de Legislação da OAB nacional. "No momento
em que o Brasil faz um esforço enorme para enxugar a máquina pública, é
contraditório fazer um PL que transforme em bico o funcionalismo público. Uma
pessoa que se dedica de maneira séria ao concurso ou cargo, não vai ter tempo
de se dedicar à advocacia". O criminalista informou ao Correio que a Ordem
vai "ficar em cima" do assunto e que vai "visitar o senador,
levando a ele uma nota técnica com o parecer" dos advogados. "Há, aí,
questões envolvendo informação privilegiada e embriões de corrupção que podem
ser plantados. Não é razoável", completa.
Atualmente, Distrito Federal tem uma carreira que mescla a
iniciativa pública e privada. A Procuradoria-Geral do DF (PGDF) permite que
procuradores "recebam" parte dos dividendos pelos processos que
atuam. Além da remuneração mensal paga pelo Estado, recebem o chamado
"honorário de sucumbência", parte das custas do processo que a parte
perdedora paga à vencedora. O dinheiro é depositado em um fundo que, entre
outras coisas, serviu para bancar a nova sede da instituição.
Por Bernardo Bittar
Fonte: Correio Braziliense