Cristiane Jungblut
O Globo - 06/02/2012
Projeto de criação do fundo, que será o maior de previdência
complementar do país, será votado amanhã na Câmara
BRASÍLIA - Com votação marcada para amanhã na Câmara, o
projeto de criação do Regime de Previdência Complementar dos Servidores
Públicos da União ainda tem um longo caminho a percorrer até a aprovação final,
mas já enfrenta disputa e preocupações sobre dois pontos: a composição dos
comandos dos fundos complementares e a aplicação dos recursos. O receio maior é
que haja partidarização na gestão deles. A nova proposta permite que sejam
criados até três fundos — um para cada Poder —, gestão paritária (membros
indicados pela União e pelos servidores) e liberdade de aplicar diretamente ou
não os recursos.
O próprio governo, ao propor a criação de um único fundo,
alertava que a Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público
(Funpresp) será poderosa: "tende a ser a maior entidade fechada de
previdência complementar presente no mercado brasileiro, tanto em quantitativo
de participantes como em volume de recursos." A aposta é que, a longo
prazo, o novo fundo, ou fundos, supere o Previ (fundo de previdência
complementar dos funcionários do Banco do Brasil). Mas a curto prazo, o governo
terá um aumento de gasto. O Ministério da Previdência informa que só em 30 anos
a situação se estabilizará.
Segundo a previsão do governo e de especialistas, no futuro,
os fundos deverão ter um volume de recursos maior do que o gigante Previ, que
movimenta mais de R$ 100 bilhões ao ano.
Setores da oposição se preocupam com o risco de
partidarização do Funpresp, lembrando que o próprio Previ e outros fundos
públicos foram objeto de CPI no Congresso. O PT conseguiu emplacar mudanças
importantes na proposta original do governo, entre elas, como será criado o
Funpresp e como poderão ser aplicados os recursos.
Na proposta original, a administração dos ativos (recursos)
era repassada, obrigatoriamente, a uma instituição financeira.
Agora, o texto diz que "a gestão dos recursos poderá
ser realizada por meio de carteira própria, carteira administrada ou fundos de
investimentos".
A criação de até três fundos foi a saída encontrada para
atender a um pedido do Poder Judiciário, que não queria estar no mesmo fundo de
servidores do Executivo e do Legislativo. Mas a redação sutil feita pelo
deputado Ricardo Berzoini (PT-SP), relator da proposta, deixa margem para a
criação de apenas dois fundos ou mesmo um, como previu o governo.
É que os servidores do Legislativo confidenciaram a Berzoini
que teriam um volume de recursos pequeno, caso ficassem sozinhos num Funpresp
do Legislativo.
Especialista em Finanças Públicas e Previdência, o
economista Fabio Giambiagi diz que o projeto acabará com o problema da
previdência do servidor público em longo prazo e acredita que as mudanças
anunciadas durante as negociações na Câmara não comprometem o objetivo. Mas
alerta que é preciso evitar a politização.
Para ele, a proposta inicial de se criar apenas um fundo era
apenas um item para negociação, mais conhecido no meio político como "bode
na sala".
— O Funpresp vai colocar o Previ no chinelo. Quando se
reunir todo o estoque, vai ser uma enormidade de dinheiro. O presidente da
Funpresp vai ser quase tão importante quanto o do Banco Central e da Petrobras
— afirma Giambiagi. — É preciso construir uma muralha chinesa com metros de
largura e quilômetros de altura para que nenhum grupo político possa se
apropriar dessa massa fenomenal de dinheiro.
É crucial gerir esses recursos tecnicamente.
O especialista alerta que, num primeiro momento, o governo
terá aumento de despesas e que isso poderá impactar o superávit primário: — O
projeto é muito bom, espero que realmente seja aprovado, mas é para o longo
prazo.
Já o economista Marcelo Caetano, também especialista em
Previdência, acredita que a preocupação não deve ser com os escolhidos para as
diretorias dos fundos, mas como serão os investimentos.
Para ele, o fundo terá que ter responsabilidade e evitar
investimentos diretos que possam trazer risco ao dinheiro do servidor e da
União.
— O fundo vai fazer a aplicação onde bem entender ou vai
contratar alguém para fazer essas aplicações? — pergunta.
Ele explica que primeiro serão criadas as entidades fechadas
de previdência complementar (Funpresps), com a composição de conselho
deliberativo, conselho fiscal de diretoria-executiva conforme todas as regras
existentes.
— São dois momentos diferentes.
Há a criação da entidade, que vai receber aportes, tanto da
União como dos servidores. A discussão está, até certo ponto, sobre como será a
gestão dos ativos.
Se for aplicar em títulos públicos, não há necessidade de
contratar uma instituição. Mas não recomendo investimento direto em hotéis ou
empresas, por exemplo — diz Caetano.
Ex-líder do PSDB na Câmara, o deputado Duarte Nogueira, diz
que o partido quer aprovar o projeto — até porque em São Paulo foi aprovado um
regime baseado no texto original do governo, mas ele critica mudanças.
— Queremos votar o Funpresp, mas queremos salvaguardas e
evitar o critério político.
O líder do PT, o deputado Paulo Teixeria (SP), destaca a
importância da gestão paritária e reconhece que o partido "foi
contemplado" com a defesa dessa ideia.
O discurso do Ministério da Previdência é que o fundo será
fiscalizado assim como os demais e que terá que cumprir a legislação existente.
As aposentadorias dos servidores públicos da União
consumiram em 2010 R$ 73,2 bilhões, valor que subiu para cerca de R$ 85,6
bilhões em 2011, segundo as últimas projeções do Ministério da Previdência. O
rombo está na casa dos R$ 60 bilhões.