Blog do Josias de Souza
- 18/07/2012
Nesta quarta-feira, o enredo da greve que se espraia pelo
setor público e já afastou do batente algo como 135 mil servidores ganhará um
capítulo coreográfico. Os grevistas marcharão sobre a Esplanada. Um cartaz
difundido pela CUT antecipou, em versão impressa, o slogan da corneta: ‘Chega
de embromação! Negocia, Dilma!’.
Com as orelhas em chamas, Dilma Rousseff esforça-se para
manter o sangue frio. Tomada pelo que diz em privado, a presidente guia-se por
outro lema: a demagogia é o caminho mais longo entre o Orçamento e sua
execução. Aprovada pelo Congresso nesta terça (17), a Lei de Diretrizes
Orçamentárias não prevê a concessão de reajustes salariais no ano de 2013.
Há duas semanas, o governo fez chegar às manchetes o tamanho
da conta. Estimou-se que o atendimento de todas as reivindicações salariais que
estarão representadas no ato de Brasília empurraria para dentro das arcas do
Tesouro um espeto anual de R$ 92 bilhões. A soma inclui ministérios, estatais e
autarquias.
Num instante em que serve ao setor privado isenções
tributárias que roerão parte de sua arrecadação, o governo alega que,
curvando-se aos servidores, cometeria uma espécie de suicídio fiscal. E Dilma
já declarou em discurso que, em tempos de crise, não é recomendável “brincar à
beira do abismo.”
Na semana passada, a presidente autorizou os ministros
Aloizio Mercadante (Educação) e Miriam Belchior (Planejamento) a abrir uma
fenda no dique fiscal. Inaugurou-se uma tardia negociação com os professores de
universidades e institutos tecnológicos federais. Além de refugar a proposta, a
corporação tachou-a de “farsa”.
Em privado, Dilma queixou-se do linguajar do sindicalismo
universitário. Autorizados por ela, os ministros levaram à mesa reajustes que,
escalonados em três anos, resultarão numa despesa adicional de R$ 3,9 bilhões.
Para a presidente, a cifra não merece o desdém com que foi recebida.
O governo estava otimista. Dos 135 mil grevistas, pouco mais
de 100 mil são professores. Dilma e seus ministros imaginaram que,
devolvendo-os às salas de aula, calariam o alarido das greves. Deu-se o oposto.
Os docentes plantaram barracas num acampamento na Esplanada e adensarão a
marcha desta quarta.
Visto sob uma ótica estritamente política, o embate opõe o
PT a si mesmo. Dilma, Mercadante, Miriam e o gestor do cofre Guido Mantega são
todos petistas. E o grosso dos sindicatos que operam as greves do setor público
é vinculado à CUT, braço sindical do petismo.
Nesta terça (17), o petista Vagner Freitas, recém-eleito
presidente da CUT, foi ao gabinete da ministra Ideli Salvatti, a petista que
exerce a coordenação política da Presidência. Rogou que o governo ao menos
“destrave” as negociações, para desanuviar a atmosfera.
“A negociação está travada e o governo precisa fazer
propostas”, disse o mandachuva da CUT em declaração reproduzida no portal da
central sindical. “Se os trabalhadores vão aceitar ou não, a categoria
resolverá em assembleias, como é o caso dos professores que vão decidir se
aceitam ou não o índice de reajuste proposto pelo governo.”
Considerando-se as primerias reações dos professores, o
comentário do companheiro Vargas soou desconexo. No único caso em que autorizou
seus auxiliares a “fazer propostas”, Dilma obteve como respostas trovões e
raios que os partam. Dona de temperamento mercurial, a presidente parece
decidida a trovejar de volta.
Também nesta terça, o ministro Mercadante recebeu em seu
gabinete no MEC um grupo de quatro dezenas de reitores de universidades
federais. Insinuaram que, se o governo encurtasse o calendário dos reajustes, a
proposta poderia ser mais bem recebida. De resto, pediram que fosse feito algum
aceno salarial aos servidores técnicos das universidades, que também se
encontram em greve.
Conforme relato feito por um dos reitores ao blog,
Mercadante fincou o pé. Disse que, divididos em três anos, o tônico salarial
oferecido aos professores –entre 27% e 45% dependendo da titulação dos
beneficiários— já vai impor enorme sacrifício ao erário. Desse ponto, disse
Mercadante aos reitores, o governo não vai passar.
Quanto aos técnicos, o ministro não foi refratário às
reivindicações. Mas deixou antever que o governo não cogita negociar com eles
antes de resolver a encrenca dos docentes. Ficou entendido que nenhuma palha
será movida até que os professores descruzem os braços.
Nesta quinta (18), nas pegadas da marcha ‘Negocia, Dilma!’,
o presidente da CUT levará o discurso pró-destravamento à sala do ministro
Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral da Presidência). É outro petista de quatro
costados, ex-chefe de gabinete de Lula, de quem é íntimo amigo.
Gilbertinho, como Dilma o chama, tem entre suas atribuições
a de manter desobstruídos os canais de comunicação do governo com movimentos
sociais e sindicatos. Na querela em questão, sobram-lhe disposição e saliva. Só
lhe faltam as verbas que permitiram dizer ao companheiro Vagner Freitas o que
ele quer ouvir.
No seu périplo brasiliense, o presidente da CUT deseja
avistar-se também com Miriam Belchior. Por ora, a ministra do Planejamento não
se dispôs a marcar a audiência. No seu caso, faltam as verbas e a disposição
para o desperdício de saliva. Vagner Freitas pedirá a Gilbertinho que interceda
em seu favor.
Acossada por uma crise internacional que desafia sua fama
nacional de boa gerente, Dilma faz cara feia para um funcionalismo que, sob
Lula, foi tratado a pão-de-ló. Na sucessão de 2010, a CUT foi porta-bandeira do
bloco sindical que pegou em lanças para apoiar Dilma e espetar o antagonista
tucano José Serra. Agora, apresentada à fatura, a presidente manda dizer:
campanha, campanha, orçamento à parte.
Resta agora saber de que lado vai romper a corda. O governo
informa que, no final do mês, os grevistas terão a oportunidade de conferir o
tipo de matéria prima de que Dilma é feita. A disposição da presidente poderá
ser medida nos contracheques, que trarão os primeiros cortes no ponto dos
servidores que aderiram às paralisações. A conferir.