BSPF - 29/08/2014
O Plenário do Supremo Tribunal Federal, em julgamento de
Recurso Extraordinário (RE 705140) com repercussão geral reconhecida, firmou a
tese de que as contratações sem concurso pela administração pública não geram
quaisquer efeitos jurídicos válidos a não ser o direito à percepção dos
salários do período trabalhado e ao levantamento dos depósitos efetuados no
Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Por unanimidade, o Plenário negou
provimento ao recurso, interposto contra decisão no mesmo sentido do Tribunal
Superior do Trabalho (TST). O presidente eleito do STF, ministro Ricardo
Lewandowski, destacou que o julgamento afeta pelo menos 432 casos sobre a mesma
matéria sobrestados no TST e nas instâncias inferiores.
Na decisão questionada no RE 705140, o TST restringiu as
verbas devidas a uma ex-empregada da Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor
(Febem) do Rio Grande do Sul, contratada sem concurso, ao pagamento do
equivalente ao depósito do FGTS, sem a multa de 40% anteriormente reconhecida
pelo Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região. A decisão seguiu a
jurisprudência do TST, contida na Súmula 363 daquela Corte.
Ao recorrer ao STF, a trabalhadora alegava que tal
entendimento violava o artigo 37, parágrafo 2º, da Constituição Federal.
Segundo ela, a supressão dos efeitos trabalhistas nas contratações sem concurso
não pode ser imposta com base nesse dispositivo, “que nada dispõe a respeito”.
Sustentava, ainda, que o parágrafo 6º do mesmo artigo impõe à Administração
Pública a responsabilidade pelo ilícito a que deu causa, ao promover a
contratação ilegítima, e, por isso, pleiteava o direito à integralidade das
verbas rescisórias devidas aos empregados contratados pelo regime da CLT.
Relator
O ministro Teori Zavascki, relator do recurso, observou que
o artigo 37, parágrafo 2º, da Constituição, “é uma referência normativa que não
pode ser ignorada” na avaliação dos efeitos das relações estabelecidas entre a
Administração Pública e os prestadores de serviço contratados ilegitimamente.
“Nas múltiplas ocasiões em se manifestou sobre o tema, o STF assentou que a
Constituição reprova severamente os recrutamentos feitos à margem do concurso”,
afirmou.
O ministro explicou que o dispositivo constitucional atribui
às contratações sem concurso “uma espécie de nulidade jurídica qualificada”,
cuja consequência é não só o desfazimento imediato da relação, mas também a
punição da autoridade responsável. “Daí afirmar-se que o dispositivo impõe a
ascendência do concurso no cenário do direito público brasileiro, cuja prevalência
é garantida mesmo diante de interesses de valor social considerável, como
aqueles protegidos pelas verbas rescisórias nos contratos por tempo
indeterminado, considerado inexigíveis em face da nulidade do pacto celebrado
contra a Constituição”, assinalou.
O único efeito jurídico válido, nessas circunstâncias, é o
direito aos salários correspondentes aos serviços efetivamente prestados e a
possibilidade de recebimento dos valores depositados na conta vinculada do
trabalhador no FGTS. Este último, inclusive, só passou a ser admitido após a
introdução, em 2001, do artigo 19-A na Lei 8.036/1990, que regulamenta o FGTS,
contendo previsão expressa nesse sentido.
“Ainda que o levantamento do FGTS esteja previsto em lei
específica, a censura que o ordenamento constitucional levanta contra a
contratação sem concurso é tão ostensiva que essa norma [artigo 19-A da Lei
8.306] chegou a ter sua inconstitucionalidade reconhecida por cinco dos 11
ministros do STF no julgamento do RE 596478”, lembrou o ministro Teori. Ele
citou ainda diversos precedentes das Turmas do STF no sentido de negar o
direito a outras verbas rescisórias típicas do contrato de trabalho, ainda que
a título de indenização.
“Na verdade, o alegado prejuízo do trabalhador contratado
sem concurso não constitui dano juridicamente indenizável”, afirmou. “Embora
decorrente de ato imputável à administração, se trata de contratação
manifestamente contrária à expressa e clara norma constitucional, cuja força
normativa alcança também a parte contratada, e cujo sentido e alcance não
poderia ser por ela ignorada”. Segundo o ministro, o reconhecimento do direito
a salários afasta, ainda, a alegação de enriquecimento ilícito por parte da
Administração.
Fonte: Assessoria de Imprensa do STF