quarta-feira, 22 de abril de 2015

Na Esplanada dos Ministérios, terceirizados sofrem com condições precárias de trabalho


Bruno Lima
R7     -     22/04/2015




Projeto que muda regras da terceirização deve ser votado na quarta-feira (22)

Brasília - A poucos metros do Congresso Nacional, onde as emendas ao Projeto de Lei  4330/2004 que regulamenta as terceirizações no Brasil devem ser votadas nesta semana, cerca de 15 mil terceirizados trabalham nos ministérios da Esplanada em condições muitas vezes precárias, de acordo com o Sindiserviços-DF. O R7 ouviu servidores terceirizados contratados pelos ministérios da Fazenda, Justiça e Minas e Energia. Todos pediram anonimato e descreveram condições precarizadas de trabalho.

Luciano (nome fictício) trabalha como recepcionista há sete anos em uma das principais pastas da Esplanada. Sem tirar férias há quase três anos, ele explica que a alta rotatividade das empresas contratadas pelos ministérios impede os terceirizados de conseguirem o recesso.

O que acontece, segundo ele, é que as empresas que perdem os contratos, e isso acontece com frequência, demitem os funcionários e as empresas que ganham readmitem esses mesmos funcionários. Desta forma, os trabalhadores de setores como segurança, limpeza, recepção e copa,  na maioria dos casos, continuam trabalhando do mesmo local, prestando o mesmo serviço para a mesma empresa contratante (um ministério). No entanto, são registrados por outra empresa e perdem o direito de gozar férias, apesar de receber as férias em dinheiro.

- A empresa faz um contrato de um ano. A empresa sai e a outra empresa que entra faz outro contrato e começa do zero. Eles indenizam, pagam certinho o dinheiro, mas o período de férias eles não dão.

Luciano conta que na última mudança, os contratos foram revistos e as categorias dos terceirizados foram trocadas para que houvesse redução nos salários. A situação se arrastou por oito meses, até que o ministério obrigou a empresa a firmar um novo contrato reestabelecendo as funções. As diferenças salarias dos oito meses, no entanto, não foram pagas.

- Fizeram um contrato e baixaram a nossa função de recepcionista para atendente, aí teve uma diferença de R$ 400 no nosso salário, sendo que a gente estava exercendo a mesma função.

Roberta (nome fictício), que também desempenha a função de recepcionista em outro ministério, reclama que os atrasos nos pagamentos e os descontos nos salários são constantes.

- Todo contracheque que vem da gente, vem um dinheiro que é retirado sem explicação. Não tem explicação para a retirada desse valor. É um valor mínimo, de R$ 11, às vezes R$ 20, mas mesmo que sejam mínimos a gente chega até um ponto de não conseguir reclamar porque a gente não vai receber.

Outro problema constante é que muitas empresas não têm sequer escritórios em Brasília, o que dificulta o acesso a informações. A recepcionista conta que já chegou a ficar três meses sem receber e que há dois meses os salários estão sendo pagos pelo ministério.

Em outra pasta, o vigilante Vagner (nome fictício) teme perder os direitos trabalhistas conquistados ao longo dos anos.

- Sempre a gente fica mais vulnerável quando tem essas trocas de empresa. Igual agora, quando estão querendo fazer isso [votar o PL 4330]. Acho que tira um pouco dos nossos direitos.

Vagner trabalha no ministério há 1 ano, mas já passou por outros órgãos públicos e conta que a maioria dos terceirizados se sentem desmotivados nos postos de trabalho.

- Pra gente que trabalha aqui dentro, esses direitos não contam muito [já que são desrespeitados]. A maioria está trabalhando, mas já está de olho em outro emprego melhor.

A presidente do Sindiserviços, Maria Isabel Caetano, explica que a situação é comum dentro dos órgãos públicos e que muitas vezes os trabalhadores precisam recorrer à Justiça para receber os valores devidos. De acordo com ela, os processos demoram em média 10 anos para serem julgados.

- Os trabalhadores saem prejudicados. Não tiram férias, não recebem os direitos. Muitos, para receberem, tem que entrar [com ação judicial] contra a empresa e contra o órgão, porque a empresa some. O juiz penaliza o órgão só que ele recorre até a última instância.

Os ministérios da Fazenda e de Minas e Energia informaram que os contratos são realizados com base na Instrução Normativa nº 02/2008 do Ministério de Planejamento, Orçamento e Administração e na Lei de Licitações. Também afirmaram que acompanham a situação das empresas contratadas e fiscalizam o cumprimento das leis trabalhistas, como o recolhimento de impostos e o correto desempenho das funções estabelecidas no contrato. O ministério da Justiça não se posicionou sobre o assunto até a publicação desta reportagem.

Responsabilidade solidária

Um dos itens em discussão do PL 4330 trata do tipo de responsabilidade da contratante em relação aos direitos trabalhistas. Há dois tipos possíveis: subsidiária (quando a empresa contratante é responsalibilizada apenas após se esgotarem as possibilidades de condenação da empresa contratada) ou solidária (ambas poderiam ser responsabilizadas em um litígio). O professor da Faculdade de Direito da UNB (UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA), Paulo Blair, explica que o texto prevê que será subsidiária.

- O texto da lei que deve ser votada no Congresso mantém a situação atual. A responsabilidade do poder público só existe se o poder público tiver falhado na fiscalização. E só existe se você tentar acionar a empresa prestadora de serviço até a última instância, tentar verificar se ela tem patrimônio e ainda tentar verificar se o sócio da empresa tem patrimônio. Após toda essa via crucis é que se pede o pagamento pela a União.

No entanto, uma emenda propõe que a responsabilidade seja solidária, permitindo ao trabalhador processar a contratante e também a contratada ao mesmo tempo. Para Blair, mesmo que a responsabilidade passe a ser solidária, o que em tese é bom para os trabalhadores, isso não significaria necessariamente mais segurança aos terceirizados.

De acordo com o especialista, uma decisão recente do STF (Supremo Tribunal) estabeleceu que há necessidade da prova de culpa por parte do contratante. Isso significa que para processar a principal empresa, ou o poder público no caso dos terceirizados que trabalham na Esplanada, o trabalhador precisaria provar a responsabilidade do dano.

Blair critica o texto do PL 4330 e define a medida como "retrocesso". O professor destaca que se as regras forem aprovadas, o número de processos que tramitam na Justiça Trabalhista pode duplicar.

- Vai mudar muito pouco ou quase nada. Na verdade o PL  é desastroso para a sociedade brasileira porque ele pega o pior modelo possível de relação de trabalho, o mais precário e resolve fazer disso a solução na seara do trabalho.

Ele também alerta que a rotatividade das empresas pode aumentar, o que traria prejuízos aos contratados.

- O projeto vai aumentar a terceirização e terceirização é sinônimo de rotatividade. É simples assim. A terceirização é o aluguel de pessoas. Dá pra gente considerar isso algo sequer perto da dignidade? Não tem jeito.

Entenda

O PL (Projeto de Lei) 4330/2004, que muda as regras para trabalhadores terceirizados, se tornou o foco das discussões nas últimas semanas. O texto tem gerado polêmica por propor, por exemplo, a terceirização em qualquer tipo de atividade em empresas privadas, públicas e de economia mista, sem limites (uma empresa poderia terceirizar 100% dos trabalhadores, de acordo com a lei).

Na prática, a proposta autoriza a contratação de terceirizados em atividades fim, que é o principal produto ou serviço oferecido pela empresa.

Atualmente, a terceirização é permitida apenas para atividades meio. Opositores do projeto defendem que as mudanças vão prejudicar os trabalhadores e reduzir os direitos trabalhistas dos terceirizados.

O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) pretende votar as emendas ao projeto na próxima quarta-feira (22) .


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