sábado, 19 de março de 2011

Cargos em comissão: o problema é a qualidade


Autor(es): André Godoy e Sonia Fleury
Correio Braziliense - 19/03/2011


André Godoy
Mestre em administração pública e analista de processos da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) 
Sonia Fleury
Doutora em ciência política e professora titular da Escola Brasileira de Administração Pública e Empresas da Fundação Getulio Vargas (Ebape/FGV) 
Início de mandato para chefes do Poder Executivo é um período crítico. É nesse momento que é preenchida a maioria dos cargos de direção e assessoramento das instituições públicas. E é também nesse período que, comumente, surgem críticas ao instrumento dos cargos em comissão, caracterizados, no Brasil, como de livre provimento. Críticos ao modelo observam que, comparado a outros países da Europa e da América Latina, o Brasil possui um número exagerado de cargos em comissão, o que contribuiria para a politização e desqualificação dos quadros das instituições públicas do país.

A figura dos cargos em comissão foi criada, todavia, para cumprir objetivos bastante importantes para o bom desempenho da administração: garantir a governabilidade àqueles dotados de mandato eletivo; a comunicação responsiva entre Estado e sociedade; o intercâmbio de práticas e profissionais entre as iniciativas público e privada; e a homogeneidade na compreensão das políticas públicas entre os diversos setores da administração.

Estudo realizado por pesquisador da Fundação Getulio Vargas no âmbito da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde (SCTIE/MS) e da Vice-Presidência de Produção e Inovação em Saúde, da Fundação Oswaldo Cruz, em 2008, 2009 e 2010, identificou o modelo de cargos em comissão como instrumento importante para a execução de políticas públicas.

O estudo demonstrou que o grau de qualificação dos gestores de ambas as instituições é bastante elevado, independentemente da origem que tem o ocupante do cargo. Na Fiocruz, 29% dos gestores são oriundos “de fora” da administração e, no Ministério da Saúde, esse percentual chega a 50%.

O que poderia sugerir a existência de práticas clientelistas é, entretanto, desmentido pelos dados que indicam que, no Ministério da Saúde, 76% dos gestores analisados são doutores ou mestres e, na Fiocruz, esse percentual é de 100%.

Tal configuração se viu refletida no alto desempenho alcançado por tais órgãos no desenvolvimento do Programa Mais Saúde — o PAC da Saúde. Em seu primeiro período de implementação (2008-2009), entre todos os eixos de atuação avaliados, o eixo do Complexo Industrial da Saúde, gerido pela SCTIE/MS, foi o que obteve os resultados mais positivos, segundo relatório do Ministério da Saúde, publicado em 2010.

Segundo a pesquisa da FGV, um dos fatores que mais contribuíram para o êxito do programa foi a articulação entre as instituições envolvidas — Ministério da Saúde, Fiocruz, Anvisa, MCT e outros — e, para tal, a utilização dos cargos em comissão como instrumento de deslocamento de servidores qualificados de um órgão para o outro foi fundamental para garantir o fluxo de informações entre as diferentes esferas e a articulação entre os órgãos públicos.

Tais fatos nos fazem refletir sobre a importância dos cargos em comissão, quando utilizados da forma e com os objetivos para os quais foram concebidos. A solução não passa, portanto, pela drástica redução do quantitativo de cargos, mas sim pela definição de critérios transparentes para seu provimento. Critérios que deixem de ser a origem do ocupante (se setor público ou privado) e passem a ser a competência técnica e gerencial necessária para ocupá-lo.


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