quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Supersalários do Senado e o teto do funcionalismo


Valor Econômico     -     24/08/2011




Passados mais de dez anos desde a sua criação, o teto salarial do funcionalismo é, na prática, uma ficção. Cada um dos três Poderes da República faz o que bem entende quando está em causa a interpretação do artigo 37 da Constituição, segundo o qual a remuneração no serviço público não pode exceder a de um ministro do Supremo Tribunal Federal, atualmente na casa dos R$ 26.723,13 mensais.

A controvérsia ganha agora um novo elemento com a decisão da Justiça federal de autorizar o pagamento dos supersalários a uma casta de servidores do Senado. O veredicto é do desembargador Olinto Menezes, presidente do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região. Sua excelência passou por cima de duas outras decisões anteriores, uma do próprio Judiciário e outra de um órgão de assessoramento do Legislativo, o Tribunal de Contas da União (TCU), e deu liberdade para o Senado pagar salários acima do teto para cerca de 700 funcionários que julgam ter direito a receber mais que os R$ 26,7 mil.

A decisão tornou sem efeito o despacho liminar de um juiz da 9ª Vara do Distrito Federal em Ação Civil Pública patrocinada pelo Ministério Público. O TCU, consultado por José Sarney, presidente do Senado, também se posicionou contra o pagamento dos supersalários.

Além de aumentar a confusão na interpretação de cada Poder, causa espécie o argumento usado pelo desembargador. O próprio relator da reforma administrativa do Senado, Ricardo Ferraço (PMDB-ES), reagiu com indignação à decisão.

"É um absurdo dobrado", disse Ferraço aos jornalistas. "Absurdo a Mesa do Senado recorrer; absurda a decisão do TRF, sobretudo com a justificativa de que isso iria inviabilizar os trabalhos do Senado". É de Ferraço o cálculo de que chegam a 700 os contracheques do Senado com valores acima do teto. Há dois anos, eles eram 464. De qualquer forma, trata-se de uma estimativa porque a folha salarial do Senado é uma caixa preta que nem mesmo o relator da reforma administrativa da Casa até agora conseguiu abrir.

Num momento em que a presidente Dilma Rousseff pede a colaboração de todos os poderes - Executivo, Legislativo e Judiciário - para o esforço fiscal necessário ao enfrentamento da crise mundial, a confusão é generalizada e apenas contribui para a manutenção de privilégios.

O Senado não é exceção à regra vigente na Esplanada dos Ministérios, em Brasília. O Executivo é o que mais se aproxima do cumprimento da determinação constitucional. Ainda assim estabeleceu uma exceção à remuneração recebida pelos ministros decorrente da participação em conselhos de administração ou fiscal de empresas públicas ou sociedades de economia mista.

Exceção que até fazia algum sentido quando o salário dos ministros era de cerca de R$ 11 mil e estava muito abaixo daqueles pagos no mercado para executivos do mesmo nível. Mas não faz sentido agora, quando os ministros passaram a receber os R$ 26,7 mil determinados como teto do serviço público. Ou seja, ministro que tem outra fonte de receita numa estatal ou sociedade de economia mista passou a ganhar bem mais que o limite legal.

A lista das exceções do Judiciário é extensa: auxílio moradia, ajuda para mudança e transporte, indenização de férias não gozadas, auxílio funeral são apenas algumas dessas exceções. O exercício da função eleitoral também rende uma gratificação. Nesta caso, os ministros do Supremo que também integram o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) levam um agrado extra acima do teto.

É grande a confusão no teto salarial dos poderes. Um exemplo: ao contrário da interpretação do Senado e da Câmara, o TCU entende que o magistrado inativo eleito para o Congresso poderá receber os proventos de aposentadoria, cumulativamente com os subsídios do cargo eletivo, "desde que respeitado o limite fixado para os subsídios dos ministros do Supremo Tribunal Federal".

A nova decisão sobre os supersalários do Senado abre brecha perigosa para a efetiva implantação do teto salarial do funcionalismo. O país, pelo seu passado, conhece bem os riscos da desorganização das contas públicas. Além disso, cabe perguntar: qual decisão Sarney deve acatar, a do presidente do TRF da 1ª Região, um órgão do Judiciário, ou a do TCU, um tribunal que integra o Poder Legislativo? É chegada a hora de os poderes atentarem ao espírito do legislador ao redigir o artigo 37 da Constituição.



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