Jailton de Carvalho
O Globo - 08/04/2013
A venda de licenças-prêmio, extintas desde 1997, pode custar
mais de R$ 300 milhões ao TCU. Servidores se valem de decisão que permitiu a
aposentados a conversão de licenças não gozadas em dinheiro. Mas até ministros
da ativa já receberam pagamentos
Venda por servidores de benefício extinto em 1997 pode
custar R$ 300 milhões ao TCU
Na ativa. Benjamim Zymler e Walton Alencar, atuais ministros
do TCU, converteram antigas licenças prêmio em dinheiro, e cada um recebeu R$
48 mil
Brecha na lei
BRASÍLIA - A venda de licenças-prêmio pode custar mais de R$
300 milhões só ao Tribunal de Contas da União (TCU). Servidores e até ministros
da Corte já conseguiram receber atrasados pela conversão de antigas licenças,
um benefício extinto em 1997. Documentos obtidos pelo GLOBO mostram que dois
ministros que ainda estão na ativa já receberam cada um R$ 48 mil: Benjamim
Zymler e Walton Alencar.
Dois ex-ministros do tribunal, Octávio Galotti e Luciano
Brandão, também apresentaram pedido de conversão das antigas licenças não
gozadas em dinheiro. Cada um poderá receber até R$ 500 mil em caso de aprovação
dos pedidos. Ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Galotti deixou o
TCU há 29 anos. Brandão se aposentou em 1994 ou seja, há 19 anos. Pelo decreto
20.910/32, servidores públicos têm até cinco anos, contados a partir da
aposentadoria ou desligamento da administração, para requerer um direito à
administração pública.
Segundo o próprio TCU, outros 128 servidores aposentados
também entraram na fila até dezembro do ano passado para transformar
licenças-prêmio não usadas em dinheiro. Pedidos de servidores de outras áreas
também já chegaram ao Superior Tribunal de Justiça, ao Supremo Tribunal
Federal, ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), à Procuradoria-Geral
da República e até à Advocacia Geral da União. Até agora, STF e STJ
reconheceram o direito à conversão em dinheiro para quem se aposentou e não
tinha gozado a licença quando estava na ativa. As decisões não tratam de venda
de licença para quem ainda está na ativa.
Essas licenças eram benefícios concedidos a funcionários
públicos até 1997. Pela lei 8.112, sancionada em 1990, servidores tinham
direito a três meses de licença a cada cinco anos. As licenças não usufruídas
poderiam ser anotadas em dobro na contagem do tempo necessário a aposentadoria.
O benefício poderia também ser convertido em dinheiro por pensionistas de
servidores mortos. Em 1997, durante a reforma administrativa do ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso, a licença-prêmio foi extinta.
Nenhuma das leis que tratava do tema mencionava a
possibilidade de conversão do benefício não usufruído em dinheiro. O dique foi
rompido a partir de uma decisão do ex-ministro Guilherme Palmeira. Na contramão
de um parecer da Consultoria Jurídica do TCU, Palmeira mudou a interpretação da
lei 8.112 e aprovou, em 2009, a venda da licença-prêmio por um servidor
aposentado. "A lei permite a conversão em pecúnia apenas no caso do óbito
do ex-servidor", diz o parecer da consultoria. Para os consultores, a
concessão do benefício "seria uma forma de burlar" a lei.
Para Palmeira, esta não seria "a melhor interpretação
da lei". Para o ex-ministro, se o benefício poderia ser convertido em
dinheiro para o pensionista do servidor morto, então seria justo estender a
regalia ao servidor vivo, no caso um aposentado que pedira para transformar a
licença em dinheiro. O ex-ministro considerou irrelevante o fato da medida ter
sido vetada pelo presidente da República, quando a lei 8.112 foi sancionada.
"É fato que a Presidência da República vetou, em 1991, dispositivo que
expressamente garantia tal direito; todavia, as circunstâncias que motivaram o
veto não persistem após transcorridos 17 anos", escreveu o ministro ao
autorizar a chamada conversão em pecúnia da licença para o servidor aposentado.
Desde então, o tribunal mudou e ampliou o alcance da lei
mais duas vezes e entre os primeiros contemplados com a reinterpretação das
regras estão dois ministros. A autorização para a venda de licença a Walton
Alencar e Benjamin Zymler, no segundo semestre do ano passado, abriu a
porteira. Sindicalistas do tribunal estão disparando mensagens para
funcionários alertando sobre a possibilidade do ganho extra.
As decisões do TCU, o guardião das contas públicas, podem
precipitar pedidos similares a todas as demais instituições em âmbito federal,
estadual e municipal. Segundo análises internas de auditores, a medida terá
efeito em cascata e poderá levar o tribunal a uma despesa extra de R$ 300
milhões. Os auditores fizeram os cálculos com base numa estimativa média de
servidores da ativa e aposentados, que entraram no TCU antes de 1997 e podem
pedir os mesmos benefícios.
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