Correio Braziliense
- 04/06/2013
Cresce no Ministério Público o número de denúncias de
irregularidades em seleções para cargos no governo. Problemas como os ocorridos
nas provas da Anvisa, domingo, também estão na mira da Polícia Federal. A falta
de leis que regulamentem os certames facilita os abusos contra os candidatos.
Com tanta gente de olho em uma vaga na administração
pública, organizar um concurso virou um negócio lucrativo. Sem uma lei que
regulamente o setor — e, portanto, sem perspectivas de punição —, as denúncias
de fraude nos processos seletivos para o funcionalismo se proliferaram nos
últimos anos. Os números do Ministério Público Federal (MPF) ilustram a
dimensão do problema. A instituição investiga, atualmente, 1.789 denúncias
relacionadas a certames em todo o país. Isso sem colocar na conta os casos que
passam pelo crivo da Polícia Federal, que se diz não autorizada a revelar dados
sobre o assunto.
Goiás é o estado que reúne mais queixas de irregularidades:
são 268 registros em tramitação na primeira instância (veja quadro). Os abusos
são diversos. Um dos casos mais polêmicos é o da Fundaso, empresa fantasma
inventada para organizar a seleção do também inexistente Instituto Científico
Educacional de Assistência aos Municípios (Iceam). As duas entidades chegaram a
usar o brasão da República e a publicar edital no Diário Oficial da União. O
MPF e a PF as investigam civil e criminalmente.
No último domingo, a aplicação dos testes da Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em todo o país deixou milhares de
candidatos insatisfeitos. Reclamações, como possíveis falhas na violação do
lacre de segurança das provas e a presença de aparelhos eletrônicos nas salas
dos exames, colocaram em xeque a credibilidade da empresa organizadora — o
Cetro Concursos. Caso as irregularidades sejam confirmadas, e o certame,
cancelado, mais de 125 mil pessoas serão prejudicadas.
A reportagem procurou o Cetro, que não atendeu as ligações.
A Anvisa está avaliando a suspensão ou não do concurso. A agência admitiu que
foram constatados outros problemas no Rio de Janeiro e em Alagoas e adiantou
que pretende adotar "as medidas necessárias para preservar a lisura do
concurso e o direito de todos os participantes". Além do Ministério
Público, a Polícia Federal investiga o caso.
Apesar de os candidatos tentarem conter os abusos com
denúncias à PF e ao MPF, muito pouco é, de fato, resolvido. No geral, o que os
inscritos veem é falta de transparência e de retorno por parte das entidades
que investigam as reclamações. As denúncias, geralmente, acabam sendo
arquivadas ao longo dos anos.
É o caso do último concurso para o Senado Federal, cujas
provas foram aplicadas em março do ano passado. Entre as queixas, houve desde a
tentativa de inscrição de um dos membros da banca à presença de celulares
dentro das salas. Das 28 irregularidades apuradas pelo MPF no Distrito Federal,
no entanto, 26 foram arquivadas. As outras duas viraram ações civis públicas:
uma foi arquivada e a outra ainda está em curso.
Faltam regras
Para o professor Ernani Pimentel, ex-presidente da
Associação Nacional de Proteção e Apoio aos Concursos (Anpac), os abusos
acontecem, porque falta uma lei que regulamente o setor. "Da forma como é
hoje, as bancas se tornaram ditadoras, têm direito de tudo e nenhum
dever." Ele cita, por exemplo, a falta de obrigatoriedade, por parte da
organizadora, de responder os recursos feitos pelos candidatos na tentativa de
mudar a resposta de uma questão ou de anulá-la. "Basta a banca indeferir o
recurso."
Pimentel defende que casos como o da Anvisa sejam anulados.
Segundo ele, as irregularidades mais comuns entre as organizadoras são
manipulação do resultado, entrada de aparelhos eletrônicos, erros no edital,
acréscimo de matérias obrigatórias em cima da hora e permissão para ida ao
banheiro sem um fiscal.
Com tantas brechas para que as empresas façam o que bem
querem, quem sai no prejuízo são os concurseiros. Camila Martins, 25 anos, fez
a seleção para a Anvisa no último fim de semana. Ela conta que os cadernos de
provas chegaram à sala onde estava com 25 minutos de atraso. "Além disso,
tinha gente com o celular em cima da mesa de prova e apenas uma pessoa para
fiscalizar."
Para Bruna Lima, 19 anos, o sentimento é de frustração.
"Gastamos e abrimos mão de muita coisa na busca pela carreira
pública", ressaltou. No ano passado, ela participou das provas para o
Tribunal Superior do Trabalho (TST), no qual, segundo conta, tiveram várias
irregularidades. "Os candidatos entraram nas salas sem que o fiscal
pedisse para desligar os aparelhos celulares. Sem contar que não havia
sinalização de horário: o candidato tinha de perguntar", recordou.
Regulamentação
Para Rudi Cassel, advogado especialista em direito do
servidor e dos concursos públicos, uma das grandes falhas que permitem tantas
irregularidades é a possibilidade de dispensa de licitação na hora de contratar
a banca, como ocorreu no concurso da Anvisa. O Cetro foi escolhido sob a
justificativa de ter apresentado a menor cotação para o valor das inscrições.
"A licitação funciona como um filtro para evitar que uma empresa sem
estrutura qualificada tome a frente da organização de uma seleção",
afirmou.
Para ele, uma regulamentação poderia mitigar a situação. Mas
o Projeto de Lei do Senado nº 74/2010, que propõe regras para a execução de
seleções públicas, está parado há quase três anos na Comissão de Constituição e
Justiça e de Cidadania (CCJ) da Casa. Previsto para ser apreciado na pauta de
amanhã, o texto sugere, entre outras coisas, a punição nos âmbitos civil,
criminal e administrativo às bancas que burlarem a isonomia dos certames e a
anulação dos exames com irregularidades.
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