UOL Notícias
- 26/10/2016
Brasília - O TCU (Tribunal de Contas da União) detectou
indícios de que 19.520 filhas solteiras de servidores públicos federais,
maiores de 21 anos, estão recebendo pensões por morte bancadas pela União de
forma irregular. A lista inclui mulheres que acumulam o benefício com a renda
de outras pensões e aposentadorias, de empregos na iniciativa privada e no
setor público. Há até casos em que os valores continuaram sendo pagos pelo
governo em nome de beneficiárias que, oficialmente, já morreram.
A corte de contas discute as providências a serem tomadas a
respeito em sessão marcada para esta quarta-feira (26). O julgamento se dá em
meio ao debate sobre a reforma da Previdência, proposta pelo governo.
Há divergências entre os ministros do TCU. O relator,
Raimundo Carreiro, defende que, mesmo que provada irregularidade, só seja
cortada a pensão da mulher que tenha renda remanescente superior a R$ 4.663,75,
teto do RGPS (Regime Geral de Previdência Social) em 2015. No entendimento
dele, esse seria o valor mínimo capaz de proporcionar a "sobrevivência
condigna" da beneficiária.
Carreiro não levou em consideração que, no Brasil, o salário
mínimo vigente é de R$ 880. Dados do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada), citados no processo a ser julgado nesta quarta, mostram que só 5% da
população do país ganha mais de R$ 4 mil mensais.
Levando-se em conta o teto do INSS como critério da
"sobrevivência condigna", o universo de pensionistas em situação
irregular cairia para cerca de 7,7 mil. Mesmo assim, a economia do país com a
supressão dos benefícios seria considerável: R$ 2,2 bilhões nos próximos quatro
anos.
Na sessão desta quarta, o ministro Walton Alencar
apresentará voto divergindo de Carreiro. Ele argumenta que a questão da
sobrevivência digna e do referencial de R$ 4.663 é "inteiramente
subjetiva, aleatória e desnecessária". Alega também que não há base legal
para fixar o valor como parâmetro.
"Por que razão estabelecer o valor pago pelo RGPS? Não
bastaria estabelecer o salário mínimo? Isto significaria que se a pensionista
ganhar, além da pensão, valor inferior a esse referencial, ela não precisaria
cumprir a legislação? Poderia casar?", questiona Alencar no voto, obtido
pela reportagem.
A pensão a filhas solteiras de servidores públicos, maiores
de 21 anos, foi instituída por uma lei de 1958, quando a maioria das mulheres
não trabalhava fora de casa e os homens, em geral, eram provedores de recursos
para as famílias.
O princípio da legislação era o de amparar as filhas de
servidores que morressem. A lei foi alterada em alguns pontos por outras normas
posteriores e pela jurisprudência dos tribunais. A mulher não pode ter união
estável ou casamento, além de acumular o benefício com outras rendas de
empregos públicos e privados.
Alencar propõe que os órgãos públicos deem 15 dias para que
as beneficiárias em situação irregular apresentem defesa. Caso as falhas sejam
confirmadas, sugere o corte da pensão. "Pensão não é herança e ela deve
estrita atenção ao princípio da legalidade ao da moralidade. Não é mecanismo de
enriquecimento", diz o ministro.
A decisão será conforme o entendimento da maioria do
plenário do TCU.
(Estadão Conteúdo)