BSPF - 06/10/2018
O governo propôs adiar o aumento dos funcionários federais
para 2020. Estes acionaram o Supremo Tribunal Federal, argumentando que eles
ganham pouco e que a Constituição Federal proíbe a redução de salários. É
preciso entender bem o significado do adiamento proposto e da reclamação
judicial. Quanto ao primeiro argumento, pesquisas do Banco Mundial revelam que
os salários médios dos servidores públicos brasileiros estão acima do
equivalente em 53 países pesquisados por aquela instituição. Quando comparados
com os profissionais de igual educação e experiência dentro do Brasil, os
servidores recebem 67% a mais do que seus colegas do setor privado, sem contar
o grande número de benefícios, em especial, nas empresas estatais.
Convém lembrar que 55% dos funcionários públicos brasileiros
estão no grupo dos 20% mais ricos e 77% estão no grupo dos 40% mais ricos.
Grande parte tem estabilidade de emprego e aposentadoria pelo último salário -
que são prêmios valiosos. Dados recentes indicam que o governo federal gastou R$
260 milhões em agosto último para cobrir licenças remuneradas e garantidas por
lei. Só com licença-prêmio foram R$ 29 milhões; com pós-graduação, mais de R$
90 milhões. Estabilidade e regalias desse tipo inexistem no setor privado.
Enfim, é difícil justificar o reajuste imediato no momento em que todos os
brasileiros apertam o cinto. O Banco Mundial propôs um alinhamento gradual dos
salários do setor público com os do setor privado. Um congelamento dos salários
dos servidores federais reduziria a diferença em relação ao setor privado para
36%, em 2021, e 16% em 2024.
Quanto ao segundo argumento (ilegalidade), de fato, a
Constituição de 1988 prevê que os salários só podem ser reduzidos por
negociação coletiva. O Poder Executivo não está reduzindo os salários, mas,
sim, adiando um aumento. Os funcionários interpretam que sem reajuste, há uma
redução salarial devido à inflação. Com exceção do Inciso V do art. 7º que
prevê a manutenção do poder de compra do salário mínimo, os demais dispositivos
da Constituição tratam de salário, e não de "salário real".
Repetindo, o governo não propôs reduzir os salários. Ao contrário, eles serão
mantidos até 2020. Vejo muitos presidenciáveis apoiando a pretensão dos
funcionários para conquistar seus votos em lugar de propor uma efetiva reforma
do Estado. Não vi nenhuma proposta que trate da melhoria da produtividade do
setor público.
No que tange à eficiência, zelo e bom atendimento, há
exceções, é claro. Muitos servidores dão o melhor de si diariamente e fazem um
excelente trabalho. E, no setor público, o desempenho dos servidores é avaliado
pelos gestores e chefes imediatos. Este é um método bastante questionável e, na
verdade, superado pelas modernas técnicas de recursos humanos. Como regra, as
opiniões dos chefes e superiores saem mais do coração do que a razão.
Hoje, os sistemas de avaliação de pessoal se baseiam em
critérios objetivos. Nos Estados Unidos, por exemplo, está em pleno andamento
um plano de melhoria da produtividade do serviço público baseado nas seguintes ações:
(1) aplicação de métodos digitais e impessoais nos processos de avaliação dos
funcionários públicos; (2) ampliação da participação e controle dos usuários
dos serviços ; (3) intensificação dos programas de retreinamento e preparação
dos funcionários para bem atender o público. Cada órgão público estabelece suas
próprias metas de melhoria e métricas de avaliação. A alta administração
elabora e implementa um plano estratégico para garantir a elevação da
produtividade dos serviços públicos.
O Brasil está longe dessas providências, mesmo porque os
sindicatos de funcionários públicos são contra qualquer tipo de avaliação
objetiva. São também contrários a programas de elevação de produtividade sob a
alegação que a melhoria da eficiência provoca dispensa de funcionários. O
próximo presidente da República terá de atuar junto ao Congresso Nacional para
fazer uma reforma administrativa com especial ênfase no estabelecimento de
regras eficientes de recursos humanos, passando por melhorias no recrutamento,
treinamento, remuneração, realocação e critérios de avaliação.
Artigo: José Pastore - Professor da Universidade de São
Paulo, presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da
Fecomércio-SP e membro da Academia Paulista de Letras
Fonte: Correio Braziliense