BSPF - 23/02/2016
Não se demanda muito esforço de qualquer cidadão para
relatar exemplos de ineficiência estatal na prestação de serviços públicos, em
diferentes áreas. É consenso entre os estudiosos da matéria que o Brasil já
superou a fase quantitativa do serviço público, que mais se importava com a
universalização do seu público-alvo, passando agora para a fase qualitativa da
prestação, isto é, a preocupação atual reside na qualidade do serviço disponibilizado
à população. E, em termos de qualidade, indubitavelmente estamos longe da
eficiência disposta no artigo 37 da Constituição Federal.
Vários fatores concorrem para a ineficiência na prestação do
serviço público. Dentre eles, podem ser citados a falta de servidores em número
adequado ao volume de trabalho existente, o baixo estímulo à contínua
qualificação desses servidores, a precária estrutura física oferecida pelo
Estado para o cumprimento daquela atividade (onde, não raras vezes, os
servidores são obrigados a comprar materiais de escritório e de limpeza com a
sua própria remuneração, se quiserem ter um ambiente minimamente salubre para
se trabalhar), o excesso de formalismos inúteis à execução da atividade, além
do estereótipo formado no seio social de que o “funcionário público não
trabalha” (o que, obviamente, não contribui para a melhoria do serviço
público).
Em que pesem tais adversidades, o que se observa na prática
é que a grande maioria dos servidores públicos é formada por pessoas abnegadas,
que lutam diariamente para oferecer uma boa prestação de serviço público à
combalida população brasileira, muitas vezes em prejuízo da própria vida
pessoal (a título de exemplo, mediante o trabalho em horas extras que nunca
serão pagas pelo Estado) e do salário que recebem (para comprar produtos
indispensáveis ao bom andamento do serviço público, mas que não são fornecidos
pelo Estado). Atitudes como essas não são visíveis à população em geral e nem
se traduzem em boas “manchetes de jornais”. Daí porque o estereótipo de que
“funcionário público não trabalha” está, infelizmente, em constante presença no
imaginário popular.
Todavia, não se pode negar também que o caos formado na
estrutura do serviço público pode se traduzir em “liberdade” para aquele servidor
que não seja muito afeito ao labor. Isso porque, em uma situação já caótica,
não há como o Estado cobrar do servidor público um esforço sobre-humano para
que este último supra as deficiências que o próprio Poder Público deveria
sanar.
Dirão os críticos, em uma análise simplista, que se o
servidor público não estiver satisfeito com as condições de trabalho, basta que
ele peça exoneração. Não se desconhece que muitos verdadeiramente o fazem. No
entanto, também é correto afirmar que tal conduta não resolve o problema da
ineficiência na prestação de alguns serviços públicos, mas ao contrário, o
agrava: propicia-se que, por vezes, permaneçam nos cargos aqueles que não
possuam outras alternativas profissionais, caindo por terra um dos objetivos
precípuos da seleção por concurso público, que é a escolha dos mais
capacitados. Ou caso permaneçam pessoas qualificadas e comprometidas, estas se
sentem desmotivadas pela ausência de estrutura, de reconhecimento ao trabalho
que desempenham e de perspectiva de crescimento na carreira pública.
Ademais, não se espera que o próximo servidor público a ser
convocado na lista de aprovados no concurso público esteja disposto a “pagar
para trabalhar”, suprindo com o seu salário a falta de cartuchos para
impressora e galões de água mineral que o Estado deveria fornecer para o bom
desempenho da atividade.
Essa realidade chocante faz com que, muitas vezes,
servidores recém empossados se frustrem com o tão almejado cargo público, a
ponto, até mesmo, de entrar em depressão. Quiçá a falta de visualização da
realidade seja, em parte, atribuível aos próprios candidatos que, não raras
vezes, glamorizam o cargo público que estão a disputar.
Evidentemente, toda generalização não reflete a verdade. Há,
sim, algumas entidades e órgãos públicos bem estruturados, enquanto outros
sofrem mais com a falta de materiais básicos (que o diga a saúde pública
brasileira...). E aqui cabe uma provocação: será que o Estado não está
distribuindo erroneamente a verba pública entre os diferentes órgãos públicos?
A eficiência na prestação das atividades estatais é
princípio consagrado expressamente pela Constituição da República desde a
Emenda Constitucional 19/1998. Indaga-se: isso significa que a Administração
Pública somente passou a ter o dever de ser eficiente a partir do ano de 1998?
É claro que não. Por uma leitura sistemática da Carta Magna, desde o seu
advento em 5 de outubro de 1988, já se poderia extrair do seu texto um
princípio implícito da “boa administração pública”.
Portanto, a previsão normativa da eficiência no serviço
público já está há longo tempo presente em nosso ordenamento jurídico. A grande
questão, a exemplo de vários outros problemas existentes no Brasil, não é a
suposta “falta de lei”, mas sim a sua concretização.
E qual seria a solução? Ao invés de se fomentar uma disputa
maniqueísta entre servidor público e população, como se um fosse adversário do
outro, ambos deveriam se unir para exigir do Poder Público melhores condições
de prestação das atividades estatais. E isso passa pelo exercício da cidadania,
ainda incipiente em nosso país. Não se desconhece que a nossa democracia seja
relativamente “jovem”, porém é característica cultural do brasileiro evitar o
exercício prático da cidadania, como se a res publica pertencesse a outras pessoas
que não a ele próprio.
O exercício da cidadania aumenta conforme o grau de educação
de um povo. Além disso, o exercício da cidadania começa nas pequenas coisas,
como não estacionar o veículo irregularmente em vagas destinadas às pessoas com
necessidades especiais ou idosos, não “furar fila”, não subornar o agente de
trânsito que está prestes a lavrar uma multa, não apoiar determinado político
em troca de um cargo comissionado, dentre outras condutas que, no íntimo de sua
consciência, todos sabem se são corretas ou não. Afinal, uma sociedade corrupta
não gerará um político honesto. E, em se tratando de servidor público que
cometa algum ato ilícito, há a existência tanto de órgãos de controle interno
como entidades de controle externo aptas a reprimir a conduta contrária ao
Direito.
Em outras palavras, não é necessário pensarmos em fórmulas
mirabolantes para “salvar o mundo”: se cada cidadão fizer a sua parte nas
pequenas atitudes do cotidiano, certamente teremos uma sociedade melhor para se
viver, com uma prestação de serviços públicos digna do alto valor arrecadado
pelos numerosos tributos que pagamos.
Wilson José Vinci Júnior é procurador federal, membro da
Academia Brasileira de Direito do Estado (ABDET) e mestrando em Direito pela
PUC-SP.
Luciana Vieira Dallaqua Vinci é promotora de Justiça, membro
do Ministério Público Democrático (MPD) e da Academia Brasileira de Direito do
Estado (ABDET), além de mestranda em Direito pela PUC-SP.
Fonte: Consultor Jurídico