Autor(es): Arnaldo Galvão
Valor Econômico - 09/06/2009
É fundamental para a continuidade de um crescimento sustentado da economia o estímulo de R$ 43 bilhões, previsto para este ano, da política fiscal anticíclica do governo. Além disso, também é recomendada a vinculação da poupança e da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) à Selic, para ampliar os canais de transmissão da política monetária. A advertência e a conta, segundo Manoel Carlos de Castro Pires, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), consideram R$ 16,4 bilhões do aumento dos investimentos da Petrobras, R$ 12 bilhões de investimentos do Tesouro, R$ 8,7 bilhões ao crescimento do salário mínimo e R$ 6 bilhões do programa habitacional Minha Casa, Minha Vida.
O cálculo feito pelo pesquisador tem uma aplicação. Com o auxílio do professor Joaquim Pinto de Andrade, do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB), ele preparou uma análise sobre a transmissão da política monetária e o canal da dívida pública. "No contexto da ineficácia da política monetária, a política fiscal ganha mais importância que em outros países. No Brasil, a atuação da estratégia anticíclica passa pelo aumento do salário mínimo, pela manutenção do nível do investimento público e pelo programa habitacional", diz Pires.
O que ele chama de ineficácia é o impacto do grande volume dos títulos públicos vinculados à taxa básica de juros Selic - principal instrumento da política monetária - no estoque da dívida pública interna. Segundo o que mostra Pires, quanto maior a parcela da dívida ligada à Selic, menor o efeito da política monetária.
Pires também defende uma solução definitiva para a remuneração da poupança por meio da vinculação a um percentual da Selic. Com esse desfecho, a redução da taxa básica também diminuiria os custos de captação do setor imobiliário, o que poderia estimular juros menores no financiamento imobiliário, criando mais um canal de transmissão para a política monetária. "A construção civil passaria a ser induzida pela Selic e seria mais um importante setor a estimular a economia", defende.
O mesmo remédio, a vinculação à Selic, é recomendado por ele à TJLP, que, atualmente, é calculada a partir do risco-país e da meta de inflação. "A fórmula da TJLP foi criada justamente para escapar dos juros altos, o que não faz mais sentido", explicou.
Apesar de a taxa Selic ter caído bastante - está em 10,25% ao ano -, os títulos ligados à taxa básica de juros (LFT), segundo relatório da dívida pública federal referente a abril, continuam ocupando bastante espaço (38,35%) no estoque de títulos em poder do público. O Tesouro também informa que, no primeiro quadrimestre, as emissões de papéis ligados à Selic foram de R$ 39,57 bilhões, superando em R$ 13,25 bilhões os resgates nesses quatro meses.
O canal de transmissão, explicitado pelo trabalho de Pires, ocorre por meio do que os economistas chamam de "efeito riqueza" na elevação dos juros que também aumenta a dívida. Nesse movimento, há desembolso do governo com o pagamento de juros e ganhos para os detentores de títulos. Portanto, o que acontece, nessas condições, é o efeito contrário ao pretendido pela política monetária, porque uma parte da sociedade tem seus rendimentos elevados, o que tende a estimular o consumo.
O Brasil está vivendo movimento contrário com a redução dos juros pelo Banco Central (BC), o que diminui o rendimento desses papéis. Portanto, está aberto o espaço para reduzir a participação das LFTs.
Na evolução desse cenário atual, Pires também defende uma proposta que é encarada como polêmica pelo Tesouro. Ele diz que se a Selic cair "agressivamente", o melhor seria revisar o Plano Anual de Financiamento (PAF) da dívida pública, reduzindo os limites de emissão das LFTs para poder substituí-las. Em 2008, esses títulos vinculados à Selic ocuparam 32,4% do estoque da dívida pública federal (DPF, interna e externa) e a meta do PAF estabelece intervalo de 32% a 38%. Quanto ao estoque, o valor da DPF contabilizado no fim do ano passado era de R$ 1,39 trilhão e a tolerância para 2009 é de R$ 1,45 trilhão a R$ 1,6 trilhão.
Se o PAF fosse revisado, o pesquisador admite que mudaria o compromisso do Tesouro com o mercado, o que, em tese, deve ser evitado. Mas ele pondera que, nesse caso, a mudança seria vista como positiva para os parâmetros da dívida pública. "A revisão do PAF aumentaria os graus de liberdade para o Tesouro substituir as LFTs e aumentar a eficácia da política monetária", afirma.
Além do problema das LFTs, Pires adverte para o fato de que ainda existe o limite imposto pela remuneração da poupança. Na sua visão, a proposta de indexação do rendimento da poupança à Selic tem duas vantagens. A primeira é manter a trajetória de redução da taxa. A segunda é permitir ao setor da construção civil responder à política monetária porque os bancos poderão repassar a redução do custo de captação aos empréstimos, estimulando o mercado imobiliário. "Com esses problemas estruturais, não há como deixar a reação da crise no Brasil apenas para a política monetária", concluiu.
No âmbito da política fiscal, o gasto do governo com pessoal e encargos é o item que tem sido mais criticado, mas o economista do Ipea argumenta que não é trivial medir a elevação da qualidade do serviço fornecido à população com a contratação de funcionários por meio dos concursos públicos.
O tema do funcionalismo público no Brasil é explosivo e Pires reconhece que pagar salários maiores que os do setor privado é um dos fatores que leva ao aumento da qualidade, porque tende a atrair profissionais mais capacitados para o setor público. Além disso, também admite que é preciso encontrar uma fórmula da premiação dos servidores públicos por desempenho melhor. Por outro lado, todas essas mudanças devem ser limitadas pelos demais objetivos da política fiscal como a sustentabilidade das contas públicas, pondera.
A política que beneficiou as terceirizações, durante os oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso, foi barrada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e pelo Ministério Público do Trabalho, que têm exigido a substituição desses empregados por funcionários concursados.
Segundo o Ministério do Planejamento, o valor mais atualizado da despesa anual de pessoal do Executivo com servidores civis foi de R$ 80,96 bilhões no período acumulado de março de 2008 a fevereiro de 2009. Em 2002, ela foi de R$ 39,57 bilhões. No mesmo período, o gasto com os militares foi de R$ 32,92 bilhões, contra R$ 19,95 bilhões em 2002. Os números, publicados no 155º Boletim Estatístico de Pessoal, da Secretaria de Recursos Humanos, estão expressos em valores correntes. Com relação a 2009, os registros do governo apontam 969.487 servidores ativos civis do Executivo e das estatais. Em 2002, eram 825.067 funcionários.
Os críticos da política fiscal do governo recomendam que é preciso reduzir a despesa rapidamente sem reduzir o investimento. Mas, para Pires, trata-se de um dilema. "De acordo com a estrutura legal orçamentária do Brasil, é muito fácil cortar investimentos e muito difícil elevá-los", explica. Além disso, alerta para o fato de que maiores níveis de investimentos também elevam o custeio.