Por Renato Henry Sant'Anna
Revista Consultor Jurídico -
22/10/2011
Os meios de comunicação têm divulgado, com certa frequência,
as frustradas tentativas de aprovação do que denominam “aumento do Judiciário”.
Muito se fala, nos últimos meses, de um custo de cerca de R$ 8 bilhões e de um
índice de reajuste que beira 56%.
A verdade é bem diferente. Tramitam, atualmente, no
Congresso Nacional três projetos de lei tratando da remuneração de servidores e
juízes do Poder Judiciário da União (PLs 6.613/09, 7.749/10 e 2.197/11). Os
dois últimos destinam-se aos juízes e buscam apenas repor, ainda que
parcialmente, as perdas inflacionárias acumuladas no valor do subsídio dos
Ministros do Supremo Tribunal Federal, concedendo recomposição salarial de
14,79%, a partir de 1º de janeiro de 2010, e 4,8%, para 1º de janeiro de 2012,
respectivamente.
Vale lembrar que a remuneração dos magistrados (ministros,
desembargadores e juízes da União) constitui-se de parcela única, o denominado
subsídio, sem o pagamento de adicionais. Desde 2006, o subsídio sofreu um
reajuste de apenas 9,07% (5% em setembro de 2009 e 3,88% em fevereiro de 2010),
contra uma inflação acumulada de mais de 30% no mesmo período.
O PL 6.613/09, o chamado Plano de Cargos e Salários dos
Servidores, busca não apenas a recomposição salarial, mas também ganho
remuneratório real acima dos índices da inflação. A alegação de falta de aumento
desde 2006, não se sustenta, pois o último PCS aprovado pela Lei 11.416/06 e
implementado integralmente em dezembro de 2008, concedeu reajustes entre 60%
até 100% em relação às remunerações pagas em novembro de 2005, prevista na Lei
10.944, de 2004.
Se somarmos os sucessivos reajustes dos servidores do
Judiciário concedidos entre 1997 até 2008 chega-se a um percentual médio de
mais de 350% de aumento da remuneração, saltando o vencimento de um técnico
judiciário nível médio em final de carreira de R$ 1.514,54 para R$ 6.360,71 e
de um oficial de justiça de R$ 2.529,58 para 12.871,21. Tais reajustes, quando
comparados à inflação acumulada no período, resultam em aumento real de mais de
90%. Isso sem contar as vantagens pessoais, adicionais de qualificação e o
sistema de gratificações ora existente, que contempla mais de 80% dos
servidores com um ganho extra pelo exercício de funções comissionadas e cargos
em comissão.
O Conselho Nacional de Justiça, como órgão central de
controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário, em
novembro de 2009, elaborou um estudo e apresentou parecer sobre o PCS dos
Servidores, fixando premissas e diretrizes básicas para a adoção de uma efetiva
política remuneratória para todo o Poder Judiciário. A iniciativa do CNJ
encontrou resistência na cúpula dos sindicatos e associações de servidores,
mais interessados em manter o atual e complexo modelo remuneratório que em nada
interessa à sociedade brasileira.
No início de outubro deste ano, a Anamatra, ao tomar conhecimento
das novas declarações do presidente do STF priorizando o reajuste dos
servidores, emitiu nota pública contrapondo-se a tal opção política do chefe do
Poder Judiciário, defendendo os juízes, tão-somente, a validade e seriedade do
teto remuneratório moralizador previsto na Constituição Federal.
Na oportunidade, a Anamatra esclareceu o óbvio: que não
existe projeto de lei de “aumento do Judiciário”, mas sim reivindicações
autônomas. A dos juízes visando à mera recomposição de parte das perdas sucessivas
no valor dos seus subsídios e a dos servidores buscando, mediante aumento real,
equiparar os seus ganhos com outras carreiras do Poder Executivo, mantendo,
porém, o atual e ultrapassado sistema remuneratório que aprofunda as distorções
existentes entre os próprios servidores. Vale ressaltar que as despesas
decorrentes dos reajustes também não se confundem. Enquanto a dos juízes não
chega a 500 milhões por ano, a dos servidores alcança algo em torno de 8
bilhões, que vem sendo propagado pela imprensa
Mas, bastou a Anamatra fazer a necessária distinção entre os
projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional - apontando, como já o fez
o CNJ, que o PCS dos Servidores aprofundaria ainda mais a irracionalidade
remuneratória no Poder Judiciário - para que uma corrente de notas de
sindicatos e associações de servidores fossem divulgadas. Uma dessas,
inclusive, chegou a dizer que a Anamatra deveria se calar.
Ora, se a Anamatra jamais se calou ou deixou de externar sua
posição para defender o CNJ, para atacar e acabar com o nepotismo no Poder
Judiciário, para resguardar os interesses do trabalhador brasileiro, para
propor projetos na defesa da sociedade brasileira como a Certidão Negativa de
Débitos Trabalhistas, para extinguir a representação classista, entre outras
ações objetivando a defesa dos direitos e garantias da magistratura, não será
agora que se omitirá ou aceitará ser censurada por se manifestar sobre assunto
interno e básico do Poder Judiciário!
Os juízes do Trabalho brasileiros não fogem ao debate. Ao
contrário disso, querem trazer luz a tão delicado tema que interessa a toda a
sociedade. Se o PCS dos Servidores não é um meio indireto de buscar aumento
real de vencimentos, como dito, certamente que as entidades sindicais e
associativas de servidores explicarão, com clareza, qual o sistema
remuneratório que pretendem implantar. Aliás, é bom que se diga, uma dessas
entidades ao menos teve a transparência de dizer, textualmente, que o PCS “é a
única forma de buscarmos reajuste contra a inflação”.
A Anamatra e os juízes do Trabalho brasileiros não cairão na
cilada de um falso conflito entre magistrados e servidores, tampouco aceitarão
discursos vitimizantes por parte daqueles que fogem do debate franco. Nossa
entidade, como ensina a sua longa história de lutas, não ficará calada jamais
diante de um sistema remuneratório em que parte expressiva do quadro de
servidores recebe salários maiores do que o dos próprios ministros do STF.
Não há dúvida a respeito da excelência do quadro funcional
do Poder Judiciário da União, mas é preciso pensar juntos um sistema
remuneratório que permita a todos os servidores, antigos e novos, ganhos
equivalentes e compatíveis com suas responsabilidades e seus papéis na máquina
judiciária.
A Anamatra lamenta, profundamente, as inúmeras inverdades e
insinuações maldosas disparadas contra os juízes por meio de notas publicadas
pelas entidades de classe de servidores. Nossa entidade não tem a intenção de
iniciar e estimular uma guerra de notas ou tomar medidas outras a fim de restabelecer
a verdade.
A pretensão não é outra senão dar início a um debate sério,
transparente e honesto, por meio do qual as entidades associativas de juízes e
servidores possam refletir e caminhar, lado a lado, no estabelecimento de um
sistema remuneratório racional e na busca por um índice de reajuste linear, em
torno de 20%, que atenda os interesses de todos, visando, dentro da
possibilidade orçamentária do Poder Judiciário da União, ao resgate do
princípio da recomposição anual previsto na Constituição Federal.
Esse sim é o verdadeiro desafio de todos nós, juízes e
servidores integrantes do Poder Judiciário da União.
Renato Henry Sant'Anna é presidente da Associação Nacional
dos Magistrados da Justiça do Traballho (Anamatra).