Vera Batista
Correio Braziliense
- 16/08/2016
Leis mal redigidas e decisões administrativas equivocadas
abrem espaço para reivindicações de aumento salarial que incham a folha de
pagamento dos governos e arrombam as contas públicas. Custo das correções em
discussão passa de R$ 173 bilhões
De tempos em tempos, o contribuinte toma conhecimento de um
novo percentual de compensação remuneratória que vai engordar os contracheques
de servidores públicos. Nem sempre sabe exatamente do que se trata, mas ouve
falar em cifras como 28,86%, 11,98%, 14,23% ou 15,8% ou em incorporação de
quintos. A única certeza do cidadão leigo é a de que a fatura, de bilhões de
reais, vai cair no colo dele. Estimativas iniciais - subestimadas, porque
alguns índices ainda estão sendo processados - apontam que o impacto
orçamentário dos aumentos atualmente em discussão ultrapassa R$ 173 bilhões nas
três esferas de governo, num momento em que as contas públicas estão em frangalhos.
Essa enxurrada de reajustes extras ocorre por conta de
brechas legais, erros administrativos ou pontos mal amarrados em acordos
salariais, dos quais entidades representativas de servidores se aproveitam para
reivindicar, muitas vezes na Justiça, correções posteriores nos vencimentos ou
equiparação a outras categorias. A questão é melindrosa. Muitos se perguntam
como advogados particulares veem claramente as falhas que beneficiam o
funcionalismo, enquanto colegas concursados, igualmente bem preparados, não
enxergam as lacunas. Alguns acham até que erros são deixados de propósito, pois
os que analisam os números ou julgam as ações são igualmente servidores que vão
se beneficiar com retorno financeiro.
Conivência
"Esses percentuais reparatórios contrariam a alegação
de que o servidor não tem aumento. Na prática, ele tem reajustes constantes,
sem que isso se torne aparente. A situação nos remete à dúvida: incompetência
ou conivência? Difícil de responder. E o Estado não procura saber quem se
omitiu ou abriu margem para o gasto excessivo", assinalou o economista Gil
Castello Branco, secretário-geral da Associação Contas Abertas.
Castello Branco ressalta que o maior problema é a falta de
planos de cargos e salários no setor público. "Reajustes são dados às pressas
e acontecem sempre que o governo está sob pressão ou ameaça de greve. No
momento em que o governante de plantão cede, acaba abrindo os cofres mais do
que gostaria. Nem sempre a culpa é especificamente de uma única pessoa",
emendou.
De acordo com Marcelino Rodrigues, presidente da Associação
Nacional dos Advogados Públicos Federais (Anafe), a responsabilidade não é da
Advocacia-Geral da União (AGU), a quem cabe defender os órgãos federais.
"No passado, a AGU não era previamente consultada. Hoje, os erros são mais
raros. O que se vê é que muita coisa vai para o Judiciário, que dá a última
palavra", justificou Rodrigues. Em 2015, lembrou, em consequência do
trabalho dos 12 mil advogados públicos, foram economizados R$ 78,13 bilhões aos
cofres da administração.
Bruno Pontes, chefe da Procuradoria Federal no Estado de
Goiás, disse que a questão é "a natureza flexível do nosso sistema
jurídico". Muitas vezes, a AGU, por meio de nota técnica, condena uma
medida. Mesmo assim, o Legislativo apoia e o Judiciário manda aplicar.
"Entendo a preocupação da sociedade, mas o problema é sistêmico. Não há
como controlar o Executivo, o Legislativo ou o Judiciário, em respeito à
separação dos Poderes. Por isso, precisamos de uma AGU forte. Só assim, os
prejuízos serão reduzidos", disse o procurador.
Política subjetiva
Ivar Hartmann, professor da FGV Direito-Rio, afirmou que o
que parece erro óbvio ou equívocos intencionais objetivos, na verdade são
escolhas subjetivas. "Quando os servidores vão à Justiça e pedem isonomia
ou paridade, os juízes, eles próprios servidores, se solidarizam. O Judiciário
não deveria interferir. Não é ele que paga a conta", alertou Hartmann.
No Legislativo, há interesses semelhantes. Mesmo que um
consultor aponte que determinado texto legal vá causar divergências, se o
parlamentar ignorar o alerta, o auxiliar não tem força para exigir o contrário.
"Ficamos todos na mão da política subjetiva de líderes partidários que
acham que não estão tirando nada de ninguém, apenas ajudando seus eleitores,
como se o dinheiro público não fosse de todos os brasileiros", reiterou
Hartmann.
Para conter isso, segundo o professor, a população tem que
exigir transparência e saber exatamente quanto ganha cada servidor - não apenas
de salário, mas também de auxílio-moradia, ajudas de custo, bônus e adicionais
de toda ordem. De acordo com um advogado que não quis se identificar, a cultura
do país tem que mudar. "Os servidores trabalham pouquíssimo, por mais que
tentem provar o contrário. O discurso deles é contraditório: são contra o
projeto (PLP 257/2016) que refinancia a dívida dos estados, entre outros
motivos, porque cobra juros sobre juros. Mas os percentuais extras que eles
ganham são corrigidos pela mesma metodologia. Nunca vi ninguém devolver os
juros abusivos. O povo não é burro. Está vendo tudo isso", destacou.
Quadro grave
O advogado contou que ficou "apavorado" ao fazer
conferências pelo Brasil para orientar prefeitos e governadores sobre o PLP
257. Segundo ele, o quadro econômico e financeiro é mais grave do que se
imagina. "As contas estão maquiadas. Quando são englobadas as despesas com
servidores ativos, inativos e pensionistas, incluindo vencimentos e vantagens,
subsídios, adicionais, gratificações, horas extras e vantagens pessoais, o
rombo é muito maior do que se afirma. Se o gasto apontado com a folha de
pagamento é de 100% da receita, tenha certeza de que o custo efetivo não está
abaixo dos 200% com o peso desses penduricalhos", alertou.