O Estado de S. Paulo - 02/08/2012
Prossegue a greve de várias categorias de servidores
federais, mas os problemas do funcionalismo são bem mais amplos do que o
revelado por esse quadro. Governos petistas incharam a folha de pagamentos
contratando mais gente, até sem concurso para os tais cargos de confiança, a
qual nem sempre se confirma do lado dos indicados.
Conforme dados levantados pelo economista Ricardo Bergamini, no governo Lula o Executivo civil contratou mais 119.629 funcionários, ou 14.954 em média por ano. Dilma contratou mais 11.965 em 2011. E falta demonstrar o que isso trouxe de melhoria dos serviços públicos federais.
Conforme dados levantados pelo economista Ricardo Bergamini, no governo Lula o Executivo civil contratou mais 119.629 funcionários, ou 14.954 em média por ano. Dilma contratou mais 11.965 em 2011. E falta demonstrar o que isso trouxe de melhoria dos serviços públicos federais.
Quanto a isso, destaque-se o crônico problema das
universidades federais, onde as greves são frequentes e as reivindicações de
seus professores, em geral também pesquisadores, se destacam no movimento
atual. Para entendê-las há uma questão que integra, nem sempre explicitamente,
o contencioso entre as partes. É que o governo Lula elevou substancialmente os
salários de ingresso e final de carreiras de nível superior, mas sem alcançar
esses professores.
Tome-se, por exemplo, o Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (Ipea), onde o trabalho de seus pesquisadores se assemelha bastante ao
de seus pares nas universidades. Nestas um professor adjunto com doutorado e em
regime de dedicação exclusiva, que é a porta típica de entrada na carreira, tem
o salário mensal de R$ 7.627,02 desde março deste ano. Se passar num concurso
para professor titular, o último posto da carreira, seu salário será de R$
12.225,25.
No Ipea, em 2008 os pesquisadores tinham salários inicial e final de R$ 8.484,53 e R$ 11.775,69, respectivamente, números esses próximos dos atuais dos professores universitários. Contudo, em 2010, os do Ipea passaram a R$ 12.960,77 e R$ 18.478,45, respectivamente, fazendo os seus ganhos superarem em quase 50% os atuais dos professores. Creio ser isso que alimenta a reivindicação destes últimos, de terem seus salários dobrados, mas sua greve certamente acabaria se alcançassem esses salários do Ipea.
No Ipea, em 2008 os pesquisadores tinham salários inicial e final de R$ 8.484,53 e R$ 11.775,69, respectivamente, números esses próximos dos atuais dos professores universitários. Contudo, em 2010, os do Ipea passaram a R$ 12.960,77 e R$ 18.478,45, respectivamente, fazendo os seus ganhos superarem em quase 50% os atuais dos professores. Creio ser isso que alimenta a reivindicação destes últimos, de terem seus salários dobrados, mas sua greve certamente acabaria se alcançassem esses salários do Ipea.
Mas há nessa história duas distorções. A primeira é que,
além dos pesquisadores do Ipea, há outras categorias às quais o governo federal
paga salário inicial muito acima dos observados no mercado de trabalho para
profissionais de nível superior em início de carreira, configurando assim um
privilégio para o qual não vejo justificativa. A segunda é que isso leva a um curto
horizonte salarial nessas carreiras, o que desestimula a busca de qualificação
adicional para nela progredir.
Ambas as distorções proliferaram no governo federal,
ocorrendo também no Judiciário e no Legislativo, mas sempre em benefício de
carreiras em que o menor número de servidores contrasta com seu enorme poder em
Brasília para conseguir vantagens que os beneficiam isoladamente. Entre outros,
estão os auditores da Receita Federal e os delegados da Polícia Federal, com
salários iniciais entre R$ 13 mil e R$ 14 mil, e vale acrescentar que os do
Ipea se aplicam ao grupo de servidores que integram, o dos chamados gestores.
Sobre a política de recursos humanos seguida pelo governo
Lula, volto a mencionar estudo do economista Nelson Marconi, professor da
Fundação Getúlio Vargas de São Paulo e ex-diretor de Carreira e Remuneração do
extinto Ministério de Administração. Foi publicado na revista Digesto Econômico
(abril de 2010), da Associação Comercial de São Paulo, e cobre o período
1995-2009.
Entre suas conclusões, observa que houve "(...)
ampliação significativa das despesas com pessoal, e também dos salários médios,
principalmente no Poder Executivo. A diferença entre o salário inicial e final
das carreiras foi estreitada, reduzindo incentivos para o desenvolvimento
profissional. A elevação do número de servidores ocorreu (também) em áreas de
suporte administrativo, tradicionalmente superdimensionadas. O grau de
qualificação dos servidores é bastante elevado, e há um descompasso entre este
último e o nível de escolaridade exigido para o exercício de algumas ocupações.
(...) o diferencial de salários entre o setor público federal e o privado é
crescente ao longo de todo o período (...), para os federais estatutários o
aumento foi praticamente de 100% (...), os últimos dados demonstram que um
servidor federal estatutário recebe hoje o dobro que receberia se (...)
empregado do setor privado".
O que fazer? Será preciso muitíssimo mais que uma faxina
para pôr em ordem a administração dos recursos humanos do governo federal. Um
bom começo seria reestruturar várias carreiras, com salários iniciais menores
para novos ingressantes e exigência de qualificações adicionais para progresso
nelas. Temo que isso possa esbarrar em obstáculos jurídicos, o que revela o
tamanho da herança maldita deixada por um governo que administrou o assunto de
forma irresponsável, e em desrespeito aos contribuintes, que pagam toda a conta
desses exageros.
E os problemas não estão apenas no Executivo. Pesquisando na
internet, vi referências a um concurso para consultor legislativo do Senado,
com salário inicial de R$ 23.826,57, e para juiz do Trabalho substituto, em que
esse valor é de R$ 21.766,15. E há também os crônicos problemas das elevadas
remunerações e mordomias dos parlamentares, o do desrespeito aos tetos
salariais "constitucionais", e por aí afora.
A revista The Economist, na edição de 16/6, em matéria
intitulada Envergonhando os "invergonháveis" (Shaming the
unshameable), afirmou que, nessa questão dos salários do governo em geral, os
contribuintes brasileiros estão sendo roubados. E que com a nova Lei de Acesso
à Informação isso está ficando mais claro.
De fato, está, mas é preciso que as vítimas passem a cobrar
medidas corretivas dos políticos e estes tenham a coragem de tomá-las.