Cristiane Bonfanti
O Globo - 05/03/2013
Com abono, 80% dos que se aposentariam preferem continuar
trabalhando
BRASÍLIA - Para evitar a perda de profissionais qualificados
do serviço público em condições de se aposentar, o governo federal ampliou nos
últimos anos o gasto com o chamado abono permanência, gratificação paga para o
servidor continuar na ativa. Mais do que o peso dessa despesa nas contas
públicas (R$ 954,8 milhões em 2012 pagos a 95.166 trabalhadores, com gasto
médio mensal de R$ 836 por servidor), a prática evidencia distorções no sistema
do funcionalismo. A principal é que, segundo estimativa do próprio governo, na
média dos últimos cinco anos, 80% dos que adquirem o direito à aposentadoria
preferem continuar trabalhando, o que interessa aos dois lados.
Esse cenário confirma que os servidores públicos têm
condições de deixar o trabalho cedo, mesmo em condições de produzir, situação
que deve mudar com o Funpresp, o fundo de previdência complementar do servidor.
Com o novo regime, quem entrar a partir de agora no serviço público terá de contribuir
para o Funpresp, se quiser ganhar uma aposentadoria acima do teto da
Previdência Social, hoje em R$ 4,1 mil.
- Além de ser uma estratégia vantajosa para o governo, a
concessão de abono permanência é reflexo da maior longevidade e melhor qualidade
de vida da população - disse a consultora legislativa do Senado Meiriane Nunes
Amaro, especialista em previdência.
Ainda em idade produtiva, muitos potenciais aposentados
preferem continuar trabalhando com uma gratificação a mais. Devido ao incentivo
financeiro, o servidor Joaquim Mesquita, de 58 anos, optou por não deixar o
cargo. No funcionalismo há mais de 30 anos e beneficiado por regras de
transição - hoje, a idade de aposentadoria no serviço público é de 60 anos de
idade e 35 de contribuição para homens, e de 55 anos de idade e 30 de
contribuição para mulheres -, ele poderia ter parado de trabalhar há mais de
dois anos. Sem o abono e outras gratificações que perderia, no entanto, sua
remuneração seria reduzida em R$ 1,7 mil.
- O abono influenciou. Além disso, ficar parado diminui a
expectativa de vida. Minha filha está cursando Medicina e, daqui a dois anos e
meio, quando ela se formar, devo me aposentar - disse Mesquita.
Servidor do Ministério da Ciência e Tecnologia há mais de 30
anos, o paraibano Francisco Gonzaga Filho, de 57 anos, poderia ter se
aposentado em 2011, mas perderia 25% de seu salário, também pelas regras que
beneficiam funcionários mais antigos:
- Tenho direito à aposentadoria com o salário integral a
partir de junho deste ano. Aí, sim, vou pedir o benefício.
Desde 2004, quando custava R$ 199,9 milhões (valor já
corrigido pela inflação), o gasto com o abono permanência cresceu 377,6%.
Proporcionalmente, passou de 0,3% para 1% da despesa anual de pessoal civil do
Executivo. Com o atual quadro do funcionalismo mais envelhecido, essa fatura
deverá ficar cada vez mais pesada. Hoje, a idade média dos servidores públicos
federais do Executivo é de 46 anos - ou seja, é grande o contingente de
aposentados num futuro próximo. No Ministério da Agricultura, essa média é de
53 anos e, no da Ciência e Tecnologia, de 51.
Esse cenário tem contribuído para um "boom" no
volume de potenciais aposentados. No Executivo, apenas este ano, mais 75.281
servidores terão condições de requerer aposentadoria. Para 2014, o total
previsto é de 16.708. Isso significa que 18,7% do total de um milhão de
funcionários ativos no Poder Executivo terão condições de se aposentar até ano
que vem.
O Ministério do Planejamento observou, porém, que não é
possível dizer que esses números representam a quantidade de abonos salariais a
serem pagos em 2013 e 2014. "É preciso levar em conta que se trata de uma
opção feita pelo servidor. O abono é um incentivo remuneratório para ele
permanecer em atividade", informou, em nota.
Para o economista Mansueto Almeida, do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (Ipea), é melhor para o governo pagar o abono permanência do
que aposentar uma multidão de servidores todos os anos. Ele explicou que, desde
o início do governo Lula, o funcionalismo teve aumentos salariais expressivos,
o que diminuiu a distância entre o salário inicial e o final nas carreiras.
Dessa forma, hoje, quando um auditor fiscal da Receita
Federal deixa o trabalho, por exemplo, com um salário final de R$ 19,4 mil, um
novo concursado entra com remuneração inicial de R$ 13,6 mil, o que impõe um
custo pesado para os cofres públicos.
- É mais barato para o governo pagar o adicional.
Antigamente, a diferença dos salários de entrada e saída era grande. Mas ela
diminuiu muito - explicou Almeida.
Ele avaliou que, se o governo tivesse regulamentado o
Funpresp ainda no governo Lula, todas as contratações dos últimos dez anos
teriam um impacto menor na folha de pagamento.