Diego Amorim e Rodolfo Costa
Correio Braziliense - 21/01/2014
Dados do Planejamento mostram que um terço dos servidores
nomeados todos os anos substitui funcionários que pediram desligamento seja
para a iniciativa privada, seja para outro órgão público
Nem mesmo a tão venerada estabilidade consegue segurar todos
os aprovados em concurso público. Há quem abra mão das benesses do Estado para
montar o próprio negócio, encarar a iniciativa privada ou mesmo voltar a
estudar. Desde 2011, somente no Poder Executivo Federal, foram registrados 21,3
mil desligamentos de civis — uma média de 7,1 mil por ano —, incluindo as raras
exonerações e o frequente troca-troca daqueles que pedem demissão para tomar
posse em outro órgão. Todos os anos, um terço das pessoas nomeadas acaba
substituindo quem deixou os cargos públicos.
Os dados, levantados pelo Ministério do Planejamento no
Sistema Integrado de Administração de Recursos Humanos (Siape), mostram a
constante rotatividade no funcionalismo, que, embora o governo a considere
baixa, preocupa bastante especialistas em gestão pública. Do total de
desligamentos, 10.335 — ou 48% — se referem a pedidos voluntários de demissão
ou exoneração, contrários à lógica concurseira. O restante — praticamente a
outra metade — envolve saídas por aprovação em outro cargo.
A rotatividade de servidores efetivos comprova a falência do
modelo de recrutamento do Estado, no entender do professor de direito público
do Ibmec Jerson Carneiro. O fenômeno se torna um grave problema para o país,
acrescenta ele, porque reflete a ausência de planos de carreira estruturados e
uma contínua insatisfação dos aprovados. “As pessoas criam expectativas irreais
em torno do funcionalismo, atribuindo o sucesso apenas à questão financeira e
ao status”, diz.
Sobretudo em Brasília, é bastante comum concurseiros,
mantendo-se no setor público, continuarem estudando para seleções que ofereçam
melhores perspectivas. “Não existe vocação, não se cria vínculo, nada disso. O
serviço público vira bico, e isso é terrível para o país”, comenta Carneiro. O
pior, insiste o especialista, é que, na maioria dos órgãos públicos, as
promoções se dão por tempo de serviço, não havendo estímulo à qualificação
profissional.
Sem arrependimento
Para surpresa de amigos e familiares, Hugo Viana, hoje com
39 anos, teve a coragem de, em 2004, pedir demissão dos Correios e deixar para
trás uma vida, para muitos, tranquila. “Não pensava em estabilidade.
Queria aprender mais, crescer profissionalmente, e ali não era possível”, conta ele, que se mudou para São Paulo e abriu uma consultoria em tecnologia da informação. “Nunca me arrependi. Foi a melhor decisão que já tomei”, enfatiza.
Queria aprender mais, crescer profissionalmente, e ali não era possível”, conta ele, que se mudou para São Paulo e abriu uma consultoria em tecnologia da informação. “Nunca me arrependi. Foi a melhor decisão que já tomei”, enfatiza.
Grato ao Estado pelo aprendizado que teve nos poucos meses
de dedicação em Brasília, Viana acredita que cada pessoa tem um perfil. O
problema, observa ele, é que muitos tentam se encaixar no serviço público sem a
mínima vocação. “Existem excelentes servidores, profissionais que adoram o que
fazem e não se veem trabalhando em outra coisa. Mas também há muita gente
dependente da estabilidade e claramente infeliz e fora de lugar”, compara o
engenheiro.
A luta contra a frustração e a busca pelo cargo ideal custam
caro ao Estado. E quem paga a conta dessa dança das cadeiras é o contribuinte.
Não bastasse isso, a rotatividade impacta diretamente na qualidade dos serviços
oferecidos à população. “Um bom serviço depende de funcionários motivados,
capacitados e treinados. Sem continuidade, isso se torna impossível”, alerta o
economista e secretário-geral do Contas Abertas, Gil Castelo Branco.
Como muitos jovens que desembarcam na capital federal, o
soteropolitano Gabriel Moura, 23 anos, fez a graduação de olho nos concursos.
Em dois anos, participou de seis seleções. Assim que se formou em economia pela
Universidade de Brasília (UnB), em 2012, conseguiu a aprovação para a Companhia
Nacional de Abastecimento (Conab). “Tomei posse já pensando em sair”, confessa
ele, que, neste ano, assumirá um posto na Secretaria do Tesouro Nacional,
vinculada ao Ministério da Fazenda.
A migração fará o rendimento mensal de Gabriel mais do que
dobrar, chegando à casa dos dois dígitos. Ele já pensa, inclusive, em comprar o
primeiro imóvel. No entanto, completa o jovem, tão importante quanto o aumento
salarial será o novo desafio. “Vou para mais uma etapa da minha vida, serei
mais útil”, comenta ele, que pretende fazer carreira no ministério, mas não
fecha as portas por completo. “Se surgir algo melhor”, pondera.
Salvo o quadro atípico em algumas “ilhas” no Poder
Executivo, o que se constata, afirma Castelo Branco, é uma realidade de
servidores sem motivação, contribuindo para a rotatividade permanente. “Muitos
ficam pulando de galho em galho porque fazem o concurso pelo concurso, o
primeiro que aparecer. Pensam somente no salário e na estabilidade e acabam
assumindo cargos sem o perfil adequado para aquela carreira”, analisa o
economista.
Na avaliação do Ministério do Planejamento, o fluxo de
entrada e saída de servidores não configura descontinuidade, uma vez que os
desligamentos nos últimos três anos corresponderam, em números absolutos, a
3,6% do total de servidores ativos. Assegura ainda não haver “evasão de
servidores”.
Palavra de especialista
Escolha errada é o problema
“O dinheiro e a estabilidade, por si só, não são suficientes
para garantir bem-estar e satisfação profissional. As vantagens do serviço
público não bastam. Muitos aprovados para cargos considerados maravilhosos
vivem infelizes, adoecem e acabam procurando fora do trabalho atividades que
dão prazer. Em Brasília, principalmente, é muito comum servidores utilizarem o
funcionalismo apenas como meio de sobrevivência, dedicando-se aos hobbies nas
horas vagas. Muitos outros só fazem, de fato, o que gostam depois que se
aposentam. O ideal é encontrar uma atividade que alie satisfação e remuneração
digna. Também não adianta a pessoa fazer o que gosta e não ter condições de
assumir os compromissos financeiros. O problema não está no serviço público,
mas na forma como muita gente encara a escolha profissional”.
Eika Lobo Junqueira, psicopedagoga, especialista em
orientação vocacional
Análise da notícia
A busca pela estabilidade no emprego a todo custo cega e
pode ser mais traiçoeira do que se imagina. É óbvio que todos nós queremos um
trabalho que nos satisfaça e, ao mesmo tempo, possibilite uma vida digna. Mas o
objetivo pelo qual boa parte dos jovens têm almejado o funcionalismo não se
apresenta como algo razoável, além de contribuir e muito para explicar a
péssima qualidade dos serviços públicos brasileiros.
Os cursinhos preparatórios
para concursos estão lotados de candidatos dispostos a fazer da vida algo
completamente alheio à própria formação original, motivados exclusivamente
pelas benesses do Estado. A rotatividade constante no Executivo consolida a
figura do concurseiro, alguém que, não raras vezes, revela-se um eterno
insatisfeito. Nos divãs de consultórios de psicologia da capital do país,
sobretudo, servidores desabafam suas frustrações pessoais, não resolvidas nem
mesmo pela idolatrada estabilidade. Seria louvável se a velha orientação de
“fazer o que gosta” voltasse a ser levada em conta. O Brasil, tão carente de
servidores verdadeiramente comprometidos, agradeceria.
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