Congresso em Foco
- 02/03/2016
Proposta é de autoria do senador Romero Jucá (à esquerda),
primeiro governador do estado de Roraima, e pode ser votada nesta quarta.
Relator contesta custo extra estimado em R$ 100 milhões ao mês
Vai a voto na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do
Senado uma proposta que coloca cerca de 10 mil pessoas, de uma só vez, nos
quadros da União. O argumento por trás da movimentação, encabeçada pelo senador
Romero Jucá (PMDB-RR) e amparado em parecer favorável de Randolfe Rodrigues
(Rede-AP), é que se trata de um grupo de trabalhadores que realmente prestaram
serviços aos antigos territórios federais de Roraima e Amapá – justamente os
estados que hoje são representados na Casa por, respectivamente, Jucá e
Randolfe. O texto vai ser colocado em votação na CCJ nesta quarta-feira (2).
A versão da proposta que vai a votação é um substitutivo
preparado por Randolfe, com alterações pontuais em relação ao texto apresentado
por Jucá. Não há, em ambos as redações, qualquer menção ao impacto financeiro
extra que a proposição acarretará. Segundo estimativa do Ministério do Planejamento,
que é contra a PEC, o custo adicional aos cofres públicos pode variar entre R$
80 milhões e R$ 100 milhões ao mês. O levamento sobre tal impacto orçamentário,
no entanto, ainda está sob análise na pasta.
Os trabalhadores a serem contemplados na proposta de emenda
à Constituição (PEC 03/2016) são ex-ocupantes de cargos em comissão (de livre
nomeação pelos políticos), trabalhadores em cooperativas contratadas pela
administração pública e até quem tem apenas um recibo ou comprovante de
depósito para comprovar o vínculo de serviço prestado. Nos termos em que
tramita no Senado, a proposta contraria um dos pilares da Constituição de 1988:
o concurso público como forma prioritária de ingresso no serviço público e a
única que permite ao servidor adquirir estabilidade.
Anos de chumbo
A transposição para os quadros da União é um tema que tem
unido políticos de todos os matizes ideológicos nos ex-territórios e remonta
aos anos finais do regime militar (1964-1985), quando a ditadura resolveu dar
autonomia política ao território de Rondônia. Trabalhadores que prestaram
serviços ao território foram incorporados pela União, mesmo sem ter realizado
concurso público. Tal possibilidade não era, àquela ocasião, vedada pela Constituição
– a restrição foi imposta a partir de 1988, com a promulgação do texto
constitucional em vigor.
Relator da matéria, o senador Randolfe considera justo que a
PEC garanta o vínculo funcional dos servidores dos ex-territórios,
regularizando a situação dos trabalhadores em questão. Ele recorre justamente
ao argumento de que a relação trabalhista foi estabelecida antes da vigência da
atual Constituição, e que por isso eles deveriam ser mantidos no quadro.
Randolfe contestou, em entrevista ao Congresso em Foco, os
números apresentados pelo Ministério do Planejamento sobre o eventual impacto
financeiro que a proposta implicaria (R$ 80 milhões a R$ 100 milhões mensais).
“Não acredito em impacto deste tamanho. O salário médio dos profissionais não
existia acima de R$ 5 mil, R$ 6 mil”, argumentou.
Em sua justificativa, Jucá diz que a proposta de emenda à
Constituição é questão de “justiça” e reconhecimento pelo trabalho dos que
“contribuíram [...] principalmente, para que Roraima e o Amapá se erguessem como
unidade da Federação”. Segundo o peemedebista, o grupo foi importante inclusive
para a implantação do “poder público local”.
“[...] é preciso fazer justiça. Reconhecer e declarar que
muitas das situações de fato, vividas à época, retratavam importantes vínculos
ou relações de trabalho entre o estado e o particular, das quais o interesse
público muito se favoreceu. Precisamos, agora, retribuir, ao menos
parcialmente, o muito que essas pessoas contribuíram não apenas para que se
implantasse o poder público local, mas, principalmente, para que Roraima e o
Amapá se erguessem como unidade da Federação. Como esta Emenda, queremos fazer
justiça”, defende o peemedebista, primeiro governador nomeado do novo Estado de
Roraima (1987-1990), durante o governo José Sarney (1985-1990), e ele mesmo
responsável por boa parte das nomeações.
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De acordo com dados referentes a 2014 e reunidos nos portais
da Transparência da União e do Governo do Estado, Roraima, por exemplo, tem
cerca de 85 mil servidores federais, estaduais e municipais, para uma população
de apenas 505 mil habitantes – média de um servidor para cada seis pessoas.
Roraima e Amapá, somados, respondem por menos 0,5% do PIB nacional – realidade
que sinaliza a dependência das finanças estaduais em relação aos recursos
federais e é usada como argumento de Randolfe na defesa da proposta.
“O interesse público e social permeia todos os aspectos da
proposta, visto o caráter de integração e segurança nacional, desenvolvimento
regional e de proteção de fronteiras de que se revestiu o projeto de criação
dos territórios federais, bem como pela dependência desses estados de
transferência de recursos da União, ainda desprovidos de indústria e comércio
desenvolvidos”, diz trecho do parecer.
Reminiscência
A Constituição de 5 de outubro de 1988 transformou em
estados os dois últimos territórios: Amapá e Roraima. Foi estabelecido, então,
um prazo de cinco anos para a instalação da estrutura dos novos estados, que
passaram a funcionar com servidores cedidos pelo governo federal.
Estabelecido o status de governador de estado, superior ao
dos então chefes de território federal, deu-se início a uma série de nomeações
custeadas pelo erário. Em Roraima, por exemplo, ainda no período de transição,
milhares de cargos públicos foram preenchidos por indicação política, por
contratação de cooperativas ou mesmo em decorrência de simples pagamento por
serviço prestado.
A Emenda Constitucional 19, de 1998 (reforma administrativa
implementada no governo Fernando Henrique Cardoso), reconheceu como servidores
federais aqueles que, mesmo sem concurso, haviam prestado serviço aos
territórios antes da promulgação da Constituição. Muitos dos trabalhadores
foram beneficiados e entraram nos quadros dos territórios, com a devida
autorização dos respectivos gestores, em 4 de outubro de 1998 – exatamente na
véspera da entrada em vigor da nova Constituição.
Mas, ao mesmo tempo em que beneficiou trabalhadores sem
concurso público, a Emenda 19 proibiu tal modalidade de nomeação. A partir de
então, os novos estados ficaram obrigados a realizar certames caso queiram
aumentar o quadro de servidores.