BSPF - 08/06/2017
A crise política reduziu o apoio ao governo no Congresso,
com maior impacto sobre a reforma da Previdência Social. A maioria dos
parlamentares, inclusive líderes dos partidos da base aliada, reconhece que, no
melhor dos cenários, a aprovação de uma reforma previdenciária exigirá
alteração da proposta atual. No momento, há três possíveis alternativas. A
primeira está associada à perspectiva de que só será possível aprovar uma
pequena parte da atual proposta de reforma, pois não há apoio suficiente para
obter maioria constitucional, ou seja, 60% dos membros da Câmara dos Deputados
e do Senado. Por meio de acordo, o texto básico seria aprovado em plenário e os
Destaques para Votação em Separado (DVS) seriam utilizados para rejeitar grande
parte dos ajustes, com exceção, por exemplo, da elevação da idade mínima e da
implementação de alguma regra de transição.
A segunda opção está relacionada à percepção de que não será
possível construir maioria constitucional para aprovar nem mesmo uma reforma
diluída. Nesse caso, a atual proposta seria desconsiderada, e seria apresentada
uma medida provisória ou um projeto de lei contendo apenas medidas que não
exigissem maioria constitucional, tais como: elevação do tempo mínimo de
contribuição para a aposentadoria por idade; redução do valor da aposentadoria
por invalidez; e alteração de critérios de elegibilidade para a pensão por
morte, que representa mais de 20% dos gastos previdenciários.
Neste ambiente de
incerteza política, o possível pode ser pouco, mas é melhor do que adiar tudo
para 2019
Finalmente, no caso de nenhuma das duas alternativas ser
possível, seria necessário mudar o foco da reforma e postergar os ajustes no
Regime Geral da Previdência Social (RGPS). Esse novo foco, que seguiria
novamente todo o trâmite legislativo, alteraria apenas as regras para a
aposentadoria dos servidores públicos. Vários deputados defendem que a redução
de privilégios dos servidores públicos seria a forma mais apropriada de se
iniciar uma reforma da Previdência Social. O Regime Próprio da Previdência
Social (RPPS), relativo a servidores civis e militares da União, tem déficit
atuarial ligeiramente inferior a R$ 2 trilhões, dos quais cerca de R$ 1,4
trilhão diz respeito a servidores civis. Em novembro de 2016, o gasto mensal
médio acumulado em 12 meses por aposentado do Legislativo foi de R$ 28,6 mil;
do Judiciário, R$ 22,2 mil; e do Executivo, R$ 7,6 mil com servidores civis e
R$ 9,7 mil com militares.
Esses proventos, bem acima do benefício médio de R$ 1,3 mil
dos aposentados do setor privado, explicam por que vários parlamentares
defendem a diminuição desse diferencial. No início da tramitação da reforma da
Previdência Social, defendi um corte profundo dos privilégios do funcionalismo.
Transcorridos mais de cinco meses, o ideal, agora, seria aprovar a atual
proposta e preparar uma segunda etapa, que aprofundaria o ajuste do RPPS. Não
obstante, uma deterioração ainda maior do quadro político pode exigir que essa
Fase B se transforme no Plano B. Mesmo assim, a ação das poderosas corporações
torna essa mudança de foco, em que se alteram apenas as normas aplicáveis às
aposentadorias e pensões dos servidores públicos, muito longe de ser simples.
A
atual proposta altera pouco a alta distorção entre os benefícios desses
funcionários - em particular, dos que ingressaram no serviço público antes de
2003 (grande maioria daqueles que se aposentarão nos próximos 10 anos) - e os
dos trabalhadores do setor privado. Há quem argumente que a redução da maioria
desses benefícios não é possível por questões legais. Tenho muita dificuldade
de compreender essa argumentação. Se um empregado da iniciativa privada tem a
regra de definição do seu benefício completamente alterada, não entendo a razão
de não poder ocorrer o mesmo para funcionários públicos. Por exemplo, seria
justo que a parcela dos benefícios dos servidores ingressos no serviço público
antes de 2013 referentes ao período ainda remanescente para a conquista do
direito à aposentadoria fosse limitada ao teto máximo do RGPS.
Os funcionários interessados em manter a integralidade
teriam de contribuir para o Funpresp, como é o caso daqueles que ingressaram no
serviço público depois de 2013. Essas distorções ficam ainda mais injustas
diante da forte deterioração das condições do mercado de trabalho nos últimos
anos. Nesse período, o funcionalismo público, com poucas exceções, não passou
por nenhum aperto e muito menos enfrentou risco de desemprego. Ao contrário,
muitos obtiveram e ainda continuam obtendo - ganhos salariais expressivos.
Por outro lado, o número de desempregados na iniciativa privada aumentou em cerca de 7 milhões entre o fim de 2013 e abril de 2017. Não há como cumprir a Emenda Constitucional 95, que determina que os gastos federais não aumentem em termos reais, sem uma nova reforma da Previdência Social, possivelmente já em 2019, quaisquer que sejam as medidas aprovadas em 2017. Além das medidas já apresentadas, a estabilidade do déficit do RGPS exigirá o fim da equiparação do reajuste anual do benefício previdenciário mínimo ao do salário mínimo.
Por outro lado, o número de desempregados na iniciativa privada aumentou em cerca de 7 milhões entre o fim de 2013 e abril de 2017. Não há como cumprir a Emenda Constitucional 95, que determina que os gastos federais não aumentem em termos reais, sem uma nova reforma da Previdência Social, possivelmente já em 2019, quaisquer que sejam as medidas aprovadas em 2017. Além das medidas já apresentadas, a estabilidade do déficit do RGPS exigirá o fim da equiparação do reajuste anual do benefício previdenciário mínimo ao do salário mínimo.
A redução de
privilégios do RPPS, seja na forma de um Plano B ou de uma Fase B da reforma,
precisará ser discutida antes disso. Seria injusto o aposentado do setor
privado que recebe hoje benefício similar ao salário mínimo perder esse
direito, enquanto funcionários públicos manteriam o direito a benefícios muito
acima do limite máximo do RGPS. Em suma, seria bem mais producente se o
Congresso aprovasse integralmente a atual proposta e caminhasse para uma
segunda etapa, a Fase B, que trataria das distorções construídas nas últimas
décadas para o funcionalismo público. Todavia, como aprendi com os
parlamentares ao longo de muitos anos, o ideal quase nunca é o possível. No
atual ambiente de incerteza política, o possível pode ser muito pouco, mas é
melhor do que postergar tudo para 2019.
Fonte: Valor Econômico