O Estado de S. Paulo
- 18/05/2012
A decisão da presidente Dilma Rousseff de mandar publicar na
internet os salários, com todos os penduricalhos, dos ocupantes de cargos
públicos no Executivo desencadeou ontem uma reação dos sindicatos de
servidores, que foi reforçada pela resistência da Associação dos Magistrados
Brasileiros (AMB) e entidades do Judiciário, e vai acabar em uma batalha
judicial. Com isso, a Lei de Acesso à Informação, criada com o objetivo de
tornar a gestão pública mais transparente e eliminar as resistências à
divulgação de dados oficiais, pode virar objeto de disputa entre Poderes.
Servidores federais ameaçam ir à Justiça contra a divulgação de salários,
auxílios, ajudas de custo, jetons e “quais- quer vantagens pecuniárias,” de
maneira individualizada, dos ocupantes de cargos públicos.
Válido para o Executivo federal, o decreto publicado ontem
no Diário Oficial da União deve constranger os Poderes Judiciário e Legislativo
de todo País – e vai na contramão da postura do Senado Federal, que decidiu que
os vencimentos dos funcionários são informação protegida. Em cerimônia
realizada no Palácio do Planalto na última quarta-feira, a presidente disse que
a transparência funciona como inibidor eficiente de “todos os maus usos do
dinheiro público”. “Fiscalização, controle e avaliação são a base de uma ação
pública ética e honesta”, afirmou Dilma, que já perdeu sete ministros por conta
de denúncias.
Para o secretário-geral da Con- federação dos Trabalhadores no
Serviço Público Federal (Cond- sef), Josemilton Maurício da Costa, a divulgação
de salários expõe a intimidade do servidor. “Transparência tem limite. O
servidor já declara o seu imposto de renda, vai ter exposto o contracheque pra
todo mundo ver? É no mínimo quebra de sigilo, é um desrespeito à intimidade do
servidor e abre espaço para tudo que é mazela, sequestro relâmpago, má-fé”,
criticou Costa, que não quis informar seu salário.
“A presidente Dilma tem de
se preocupar é com quem pratica a dilapidação do patrimônio público e acumula
rendas ilícitas. Hoje o governo Dilma virou balcão de negócios, esses (os servidores co-missionados
) é que têm de ter sua renda exposta.” Na avaliação do secretário-geral do
Sindicato dos Servidores Públicos Federais no DF (Sindsep-DF), Oton Pereira, a
divulgação individualizada é “invasão de privacidade”. “A corrupção e os
desvios públicos não se dão no contracheque do servi- dor. Se dão nas
negocia-tas, convênios, nas tercei-rizações, nas negociatas dos gabinetes
ministeriais.
É desviar a atenção do foco principal”, condena. “Os
servidores conhecem muito bem os salá- rios de todo mundo. É invasão de
privacidade.” Questionado pelo Estadão, o secretário-geral disse que ganha
mensalmente R$ 5.650 brutos. Sindsep e Condsef já estão consultando suas
assessorias para ir à Justiça e reverter a decisão da presidente, caso o
Planalto não volte atrás.
Em resposta ao Estadão ,a CGU disse que a informação
so- bre salário “não é de caráter estritamente pessoal porque o salário é pago
com recurso público e o cidadão que paga impostos tem o legítimo direito de
saber sobre os salários pagos com os recursos que ele paga”. “Além disso, os
salários dos servidores são fixados por lei e, portanto, são definições
públicas desde sua origem, decorrendo de decisões tomadas publicamente pelo
Legislativo, não havendo nada a esconder”, diz a CGU, que reitera que a
publicação “nada tem a ver com suspeita de corrupção”.
Mundo. Outros países que im- plantaram lei de acesso à
informação passaram por situações semelhantes, observa o assessor de
Comunicação e Informação da Unesco para o Mercosul e Chile, Guilherme Canela.
“Essa discussão está posta e muitas democracias tem decidido pela publicação,
sem grandes repercussões negativas para os funcionários individualmente e em
geral com repercussões positivas para a sociedade como um tudo”, diz.
Um dia após o choro, o beijo
Dilma, que anteontem chorou ao lançar a Comissão da Verdade,
era só alegria na entrega ontem do prêmio Almirante Álvaro Alberto à professora
e economista
Maria da Conceição Tavares.
Cenário: Daniel Bramatti
Constrangimento é primeiro efeito
Ao decidir publicar na internet os salários e vantagens de
todos os funcionários públicos federais, a presidente Dilma Rousseff criou um
embaraço para outros Poderes e esferas de governo que optaram por manter esses
dados sob sigilo. O governo de São Paulo decidiu não divulgar a remuneração dos
servidores de forma individualizada. Em um primeiro momento, o Senado e a
Câmara preferiram dar mais importância ao direito dos funcionários à
privacidade que ao princípio constitucional da publicidade, mas ontem já
reavaliavam sua situação. O governo paulista alega que já pratica a
transparência em relação aos salários, pois a remuneração de cada cargo está publicada
na internet.
O problema é que não é tarefa fácil descobrir onde
determinado servidor se encaixa na estrutura de cargos. Além disso, o salário é
apenas parte dos vencimentos – não há como verificar se há contracheques com
puxadinhos e penduricalhos. O Estadão revelou em 2011, por exemplo, que um
assessor e secretários do governador Geraldo Alckmin engordavam seus salários
com jetons em reuniões do conselho de administração de empresas estatais. O
mesmo ocorre na esfera federal.
A regulamentação da Lei de Acesso à Informação
assinada por Dilma elimina, em tese, as brechas para que os puxadinhos
salariais fiquem ocultos. Se a remuneração real não for divulgada, a própria
lei possibilita que os interessados apresentem requerimentos para ter acesso a
ela. Em caso de resposta negativa, a palavra final deve ser dada pela Justiça.
E o Supremo Tribunal Federal, ao avaliar o caso da Prefeitura de São Paulo –
pioneira na divulgação de salários – , já decidiu que a publicação atende ao
princípio da publicidade sem violar o direito à privacidade.