BSPF - 21/10/2019
Gestão do servidor público e a reforma administrativa
Em outubro, avolumam-se as notícias sobre o futuro do
servidor público, com ênfase no término da estabilidade e outras medidas
complementares, justificado por uma redução na folha de pagamento. Quem vive em
Brasília desde a década de 1980, percebe pela construção dos anexos e dispersão
de órgãos públicos no Plano Piloto, que foi grande o crescimento no emprego de
mão de obra pelo setor público, o que estaria motivando a celeuma em torno da
estabilidade.
De 1996 a 2016, o total de servidores públicos (três esferas
de governo) cresceu 83%, passando de 6,264 milhões em 1995 para 11,492 milhões
em 2016. Nesse período, o incremento no governo municipal foi de 175%, no
estadual de 28% e no federal de 25%. O alto percentual no emprego pelo setor público
municipal está atrelado ao forte aumento no número de novos municípios
aprovados.
De acordo com o Painel Estatístico de Pessoal, do Ministério
da Economia, o total de servidores federais em agosto de 2019 era de 1.277.639,
dos quais 47,6% ativos, 38,7 aposentados e 18,7% instituidor de pensão. Desse
mesmo total, 37,2% estavam no Sudeste, 22,4% no Nordeste, 19,9% no
Centro-Oeste, 11,1% no Sul e 9,4% no Norte.
Cerca de 8.240 servidores teriam sido contratos a partir de setembro
de 2016 e, portanto, ainda cumprindo o período probatório, o que representa
1,3% dos servidores ativos. Quanto à lotação dos servidores federais, somente
quatro ministérios Saúde, Esporte, Infraestrutura e do INSS somam 34%, órgãos
eminentemente prestadores de serviços diretos para a população.
Sem entrar no mérito da discussão entre as teorias de
direito administrativo e direito do trabalho, a extinção da estabilidade, se
aprovada, além um impacto financeiro pequeno, em face do percentual de servidores
a serem alcançados, tem-se a impressão de que estariam sendo exonerados
justamente os servidores que prestam serviços diretos para a população,
piorando a qualidade dos serviços.
Não se deve falar em reforma administrativa sem fixar como
seu objetivo principal a melhoria na qualidade dos serviços prestados ao
cidadão, por sinal, avaliado pessimamente conforme dados do Consumidor.Gov do
Ministério da Justiça. E a razão é muito simples. Será que cada servidor tem
claro quais as metas quantitativas e qualitativas que deverá alcançar a partir
da contratação? Sem essa definição firmada anualmente por meio de um plano de
trabalho individual, o servidor simplesmente trabalha, sem uma perspectiva do
dever a ser cumprido.
Difere do trabalhador no setor privado, que recebe
regularmente as metas a serem cumpridas e de que maneira (qualitativas) deveria
se comportar. Porém, devido a uma estrutura organizacional extremamente ampla e
pesada, constituída por secretarias, subsecretarias, coordenadorias etc. etc.,
o servidor da ponta pouco sabe do seu papel naquela estrutura e de que forma
estaria contribuindo para que aquele órgão fosse considerado eficiente e
eficaz.
Um segundo fator importante seria rever, urgentemente, o
sistema de avaliação do desempenho de cada servidor e seus respectivos
supervisores. Hoje, para que o supervisor não tenha nenhum problema com o
supervisado, ao final de cada ano o premia com as qualificações mais altas,
descumprindo, assim, seu papel maior como supervisor. Entra e sai supervisor,
já que o servidor tem cadeira cativa no departamento, e não se vê nenhuma
tendência a um serviço mais bem prestado e mais produtivo.
Ainda que o atual sistema de avaliação fosse bom (o que não
o é) são escassos os recursos para capacitação de servidores e, o que é pior,
sem nenhum nexo com o desempenho. A capacitação não pode continuar sendo
tratada como premiação, mas voltada para a melhoria dos serviços prestados, o
que passa pelo cumprimento das metas qualitativas, tais como assiduidade,
presteza, conhecimento de idiomas, ética no trabalho.
O sistema de avaliação deveria ser estendido aos
supervisores, avaliado por aqueles acima deles na estrutura organizacional,
onde a capacidade como supervisor mereceria um capítulo à parte do seu
desenvolvimento como técnico. Seria o fim dos desempenhos proforma, sem o
devido respeito com o servidor e seus supervisores.
No processo de restruturação dos servidores, restaria
abordar as condições segundo as quais um servidor, mesmo tendo cumprido o
período probatório, poderia ser demitido após uma sequência de medidas voltadas
à melhoria do desempenho e sujeito à revisão por um grupo estruturado voltado
para o exame final do processo, eximindo ou não a responsabilidade do
supervisor imediato.
Finalmente, apesar de se dispor de Código de Ética do Setor
Público, faz-se urgente um processo de capacitação de todos os servidores
públicos, incluindo estados e municípios, para que conhecessem em detalhes as
principais definições e o comportamento ético esperado.
Entendo que, na proposta que vem sendo preparada pelo
Executivo, predomina a questão do servidor. Caso esses pontos acima anunciados
sejam negligenciados, pouco se avançará no objetivo maior da proposta que
deveria buscar como objetivo principal a melhoria dos serviços prestados pela
administração pública ao cidadão.
Por José Carlos Ferreira - Especialista em gestão de
pessoas, é aposentado do Ipea
Fonte: Correio Braziliense