Correio Braziliense
- 29/08/2016
Dados do Planejamento mostram que 37% dos atuais
funcionários públicos da ativa terão idade para deixar as funções até 2020.
Outros 105 mil, que já poderiam ter ido para casa, tendem a requerer o
benefício se o abono de permanência acabar
O serviço público federal poderá sofrer um grande
enxugamento até 2020, caso se confirme o prognóstico do Ministério do
Planejamento. Dos atuais 632 mil servidores da ativa, 232 mil estarão em
condições de se aposentar. O quadro se agravará se outros 105 mil que já
poderiam ter encerrado a carreira, mas ainda não o fizeram, decidirem vestir o
pijama. Esse grupo só continua trabalhando porque recebe o abono de permanência
(devolução dos 11% referentes à contribuição previdenciária), benefício que
custa R$ 1,2 bilhão por ano e o Executivo quer acabar dentro da sua proposta de
ajuste fiscal.
A movimentação pela aposentadoria é grande na Esplanada dos
Ministérios. Muitos servidores que estão atingindo os requisitos para deixar a
ativa estão preocupados com o projeto de reforma da Previdência, que deve
unificar os sistemas público e privado. O pensamento dominante é de que é
melhor garantir agora todos os benefícios, sobretudo o salário integral, do que
correr o risco de perder alguma coisa. Essa visão prevalece mesmo com a lei
garantindo que, no caso do funcionalismo contratado até o início de 2013, a
aposentadoria integral é irrevogável.
Segundo o Planejamento, os 232 mil funcionários que poderão
se aposentar nos próximos quatro anos estão concentrados nos ministérios da
Saúde e da Fazenda e no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), áreas
sensíveis da administração. O ministério, porém, não sabe dizer qual seria o
impacto financeiro se todos optassem por migrar para a folha de inativos. Isso
mostra o quanto o órgão está despreparado para lidar com um tema tão sensível,
que pode afetar, seriamente, a prestação de serviços básicos à população.
Corte bem-vindo
A meta do governo, com a extinção do abono de permanência, é
economizar R$ 7 bilhões até 2020, conforme previsto na Proposta de Emenda à Constituição (PEC)
139/15, que trata do assunto. Muitos dizem que a economia com o fim desse benefício
será pequena diante do estrago no funcionamento da máquina pública, uma vez que
os servidores que o recebem ocupam cargos estratégicos. A equipe econômica,
porém, acredita que todo corte de despesa é bem-vindo.
Pelos cálculos do Planejamento, a folha de pessoal custou,
no ano passado, R$ 255,3 bilhões, dos quais R$ 151,7 bilhões com salários para
funcionários da ativa, R$ 66,2 bilhões com aposentadorias e R$ 37,3 bilhões com
pensões. Até 2019, porém, a despesa com os servidores aumentará substancialmente,
pois, com os reajustes combinados com o governo e aprovados pelo Congresso, os
gastos terão incremento de pelo menos R$ 100 bilhões.
O governo garante que tudo está previsto no Orçamento e que,
depois da aprovação da PEC que limita o aumento de gastos à inflação do ano
anterior, colocará um importante freio nas despesas com o funcionalismo. Os
analistas de mercado, porém, duvidam disso e temem que as corporações mantenham
o poder de pressão para garantir ganhos reais, incompatíveis com a realidade em
que o país vive, de restrição fiscal e elevado índice de desemprego.
Na avaliação da equipe econômica, a aposentadoria em massa
permitirá ao governo redimensionar o tamanho do Estado, hoje, muito inchado.
Tanto é assim, destacam técnicos subordinados ao ministro da Fazenda, Henrique
Meirelles, que não há previsão de concursos públicos. "Vamos segurar as
seleções até quando for possível", diz um dos auxiliares do ministro.
"A torneira dos concursos só será aberta quando for extremamente
necessário", emenda.
Para o economista Carlos Eduardo de Freitas, ex-diretor do
Banco Central, o ajuste fiscal proposto é bom, mas deve ser mais efetivo,
especialmente no que se refere ao funcionalismo público. "Todos precisam
dar sua cota de sacrifício", afirma. Ele não acredita, porém, em
aposentadoria em massa no serviço público, pois os servidores sabem que estão
jovens demais para vestirem o pijama e têm muito a contribuir para o país.
"O que temos que ver hoje no funcionalismo público é
disciplina e produtividade", ressalta Freitas. Na avaliação dele, quem não
cumprir com o dever deve ser dispensado. "Há instrumentos para colocar
quem não faz nada em disponibilidade, como remuneração proporcional ao tempo de
serviço", acrescenta. Infelizmente, os servidores ainda não são regidos
pela meritocracia.
Sem concursos
Em 1995, no governo Fernando Henrique Cardoso, havia 1,1
milhão de servidores. Sete anos depois, 200 mil cargos haviam sido cortados por
meio de privatizações e demissões, além do movimento natural de aposentadorias
e mortes. O quadro caiu para 900 mil funcionários. Em 2010, com Lula, o Brasil
retornou a 1,1 milhão de servidores. O quadro aumentou, especialmente, nas
carreiras típica de Estado, que ganham mais. Para 2015, a previsão inicial, não
concretizada, era de que mais de 60 mil vagas seriam preenchidas por concurso
público. Em 2016, os certames também foram cortados do Orçamento.
Reforma atingirá inativos
Os atuais e futuros aposentados do setor público poderão ser
atingidos pela reforma da Previdência. Segundo o projeto que está sendo
finalizado pela Casa Civil e pelo Ministério da Fazenda, a ideia é acabar com a
paridade de reajustes entre ativos e inativos. Hoje, quando uma determinada
carreira tem aumento de salário e recebe benefício extra, aqueles que exerceram
as mesmas funções mas já estão em casa também são beneficiados. Para o governo,
isso é injusto.
Na avaliação do governo, os aposentados e pensionistas do
setor público devem receber, no máximo, a correção da inflação medida pelo
Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), usado como referência nas
negociações salariais de trabalhadores da iniciativa privada. Técnicos da Casa
Civil mostram, por meio de tabelas, que, nos últimos anos, sobretudo nos dois
governos Lula, os inativos foram beneficiados com aumentos espetaculares dados
aos servidores da ativa.
Essa distorção está prevista na recente negociação salarial
com servidores da Receita Federal, que, além de reajuste de 27,9%, terá direito
a um bônus de eficiência, ou seja, uma parcela do que recuperarem de impostos
não pagos. As vantagens serão estendidas aos aposentados e pensionistas do
órgão. Pelos cálculos do Ministério do Planejamento, dos 30.667 servidores
registrados como auditores fiscais, 20.383 (67%) são aposentados ou pensionistas.
Dos 13.778 analistas tributários, 6.612 (48%) são inativos. "É
inacreditável que isso ainda aconteça", diz um auxiliar do ministro Eliseu
Padilha.
Questão de Justiça
Para técnicos do governo, mesmo que o fim da paridade entre
ativos e inativos tenha impacto pequeno nas contas públicas num primeiro
momento, ao longo do tempo a economia será grande. "O mais importante será
corrigir distorções. Não é justo que aqueles que já se aposentaram ou recebem
pensões tenham os mesmos benefícios de quem continua trabalhando. Isso não
acontece com a maioria dos trabalhadores, que sequer têm estabilidade de
emprego", afirma um dos responsáveis pela reforma da Previdência. "Estamos
falando de justiça", assinala.
Segundo o especialista em contas públicas José
Matias-Pereira, professor da Universidade de Brasília (UnB), o momento exige
sacrifícios de todos para que o país possa fazer o ajuste fiscal e voltar a
crescer. Ele acredita que, à medida que a economia retomar o fôlego, todos
sairão ganhando. Na visão dele, as pessoas precisam entender que chegou a hora
de se redimensionar o governo. "É importante que se tenha compreensão do
tamanho do Estado que a sociedade brasileira quer. Tem que prevalecer o bom
senso", assinala.
Essa mesma avaliação é feita por Washington Barbosa,
coordenador dos cursos jurídicos do Instituto Brasileiro do Mercado de Capitais
(Ibmec). Ele acredita, porém, que, ao longo do tempo, o governo voltará a
reabrir os concursos públicos, para que as vagas deixadas pelos aposentados
sejam preenchidas. "Será uma questão de lógica", diz. Mas que ninguém
espere uma enxurrada de cargos.
(Vera Batista)